Com contrabandistas de lêmures, mafiosos tarantinescos, inteligências artificiais, experimentos científicos esquisitos e jornadas épicas medievais protagonizadas por elfos, a minissérie original Netflix do momento, Maniac, nos envolve em uma fantasiosa e ousada viagem pelo subconsciente humano, questiona o que é normalidade e marca a estreia da atriz Emma Stone nas telas pequenas – e que estreia!
A produção, criada por Patrick Somerville e dirigida por Cary Joji Fukunaga, acompanha Annie Landsberg (Emma Stone), uma mulher atormentada por traumas familiares que se apega aos vícios para se afastar dos problemas pessoais; e Owen Milgrim (Jonah Hill), um jovem esquizofrênico que precisa suportar sua família rica e hipócrita.
Inseridos num universo ligeiramente futurista e decadente da década de 80, onde a solidão e as frustrações parecem ter tomado conta das relações, os dois protagonistas, até então desconhecidos e sem terem nada a perder, se oferecem como cobaias para um experimento científico, cujo objetivo é “tratar” da mente e terminar com qualquer tipo de sofrimento humano, substituindo tratamentos psicológicos e medicamentosos contínuos.
Durante a experiência, Annie e Owen passam por situações inusitadas, nas quais fragmentos de suas vivências reais se misturam com a subjetividade de seus pensamentos e de suas referências outras – como num sonho, quando misturamos pequenas lembranças com referências de um livro que estamos lendo, por exemplo.
Nos primeiros episódios, a trama se desenvolve de forma quase caótica, comprometendo – propositalmente – o entendimento do público. É somente lá pelo terceiro episódio que conseguimos formular, mais ou menos, o que está acontecendo.
Manter a atmosfera desconexa e confusa dos primeiros episódios por muito mais tempo poderia colocar o engajamento do público em risco. Por isso, a opção de seguir com uma cronologia mais clara – e mesmo assim nada óbvia – parece ter sido uma escolha acertada.
Dessa maneira, os primeiros episódios servem como uma introdução desafiadora, que atiça nossa curiosidade e nos faz querer entender, a todo custo, para onde a história e esses personagens nos levarão. Depois disso, a produção investe no contexto dos protagonistas, fazendo com que desenvolvamos empatia e até algum grau de identificação com eles.
Ao transitar pelo subconsciente de Annie e Owen, Maniac encontra a justificativa perfeita para engrandecer sua narrativa usando um pouco de abstração, permitindo-se passear por subgêneros e homenagear referências clássicas da cultura pop – como o épico de aventura medieval fantástica, a comédia dramática pastelão e a violência gráfica cheia de sangue dos mafiosos. A certa altura, inclusive, a comparação entre a inteligência artificial Gertie e o computador HAL 9000, de 2001: Uma Odisseia no Espaço, fica inevitável.
Mesmo com tantos elementos e subgêneros, o tom que a minissérie atinge com a sua mistura muito única de humor, drama e ficção científica faz lembrar, um pouco, da leveza da série Dirk Gently’s Holistic Detective Agency, que também apresenta questões importantes de forma um tanto quanto surreal – sob o pretexto de viagens pelo tempo e não pela mente humana – para tratar de relações e desenvolver pessoalmente cada um de seus personagens heróis improváveis.
Emma Stone e Jonah Hill interpretam pessoas doentes que vivem em uma sociedade doente. Independente da década ou do patamar tecnológico em que estejamos, somos influenciados por nosso contexto pessoal e social. Estamos ansiosos, depressivos. Por isso, questionar padrões impostos de normalidade numa sociedade que claramente finge ser o que não é – como a família de Owen – parece ser uma abordagem mais do que justa, fundamental. O que é ser normal, afinal? Não ter um diagnóstico de doença, mas sair pelo mundo cheio de discursos de ódio?
Maniac possui alguns trunfos importantes: o peso de seu elenco estelar é indiscutível; as – leves – críticas à indústria da saúde mental como um tema ainda pouco explorado por produções audiovisuais fictícias de grande apelo popular contam a seu favor; o humor, inserido na dosagem certa, principalmente através das personalidades pouco prováveis de seus personagens e dos lugares que eles ocupam socialmente, também é favorável. No entanto, é bem possível que o maior mérito da produção original Netflix seja ter uma certa doçura inesperada – sem menosprezar os impactos negativos que doenças ocasionam na vida das pessoas.
Assim, ao terminar sua jornada pelo “tratamento” conturbado de Annie e Owen, você provavelmente sentirá que o caos abre espaço para uma das citações mais piegas e clichês de que se tem notícia: cada um sabe das dores e das delícias de ser quem é – e isso não é ruim. É importante que saibamos.
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Ficha técnica
Criação: Patrick Somerville
País: EUA
Ano: 2018
Elenco: Emma Stone, Jonah Hill, Justin Theroux, Sonoya Mizuno
Gênero: Drama, Comédia, Ficção Científica
Distribuição: Netflix
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