Coluna: A manic pixie dream girl faz mal para a saúde feminina

Em 2005, quando o filme Tudo Acontece em Elizabethtown, de Cameron Crowe, foi lançado nos cinemas, a personagem Claire (Kirsten Dunst) acabou despertando a curiosidade do crítico de cinema Nathan Rabin. À época, o norte-americano identificou em Claire uma figura feminina um tanto repetitiva dos filmes do início deste século. Sabe aquela garota simpática, engraçada e irônica, que se veste de forma excêntrica, escuta Rock Alternativo e lê livros de filosofia? Então. Tais características, somadas à “enorme capacidade” que essa menina teria de mudar a vida de homens comuns, é o que Nathan denominou de manic pixie dream girl.

Vai, eu sei que você conhece pelo menos uma pessoa que gostaria de ser ou de se relacionar com uma garota assim. Durante a adolescência, sentimos a necessidade de provação e de aceitação social de forma intensificada. E, vivendo neste mundo machista, as coisas podem ser muito mais complicadas se você for mulher. Saímos da infância regada a Princesas Disney e entramos na cruel fase da puberdade – cheia de hormônios, incertezas e filmes com as manic girls. “Não é fácil ser mulher”, quase posso ouvir a voz de Jamie Lee Curtis em Meu Primeiro Amor 2, ao se referir à enteada adolescente, interpretada por Anna Chlumsky.

Claire (Kirsten Dunst) / Divulgação

Mas, a manic girl jamais estaria em um filme como Meu Primeiro Amor. Além da Claire de Kirsten Dunst, o termo cunhado por Rabin se aplica a personagens como a Summer (Zooey Deschanel) de 500 Dias com Ela, a Ramona (Mary Elizabeth Winstead) de Scott Pilgrim Contra o Mundo e a Penny Lane (Kate Hudson) de Quase Famosos. Todas essas mulheres apresentam um estilo de agir bem peculiar e a habilidade – “privilegiada” – de transformarem para melhor a vida de protagonistas masculinos confusos e, muitas vezes, melancólicos. Você já revirou os olhos até este ponto do texto?

Enquanto Claire grava horas de áudio em CD, para ajudar o personagem de Orlando Bloom – um cara que ela acabou de conhecer – a tomar coragem e jogar por aí as cinzas do pai recém-falecido, a personagem de 500 Dias, Summer, passa de “grande paixão” do protagonista, interpretado por Joseph Gordon-Levitt, para uma mulher “fria”, cujo único “crime” é perceber que o homem com quem ela está saindo não é o amor de sua vida – e, é claro que, eventualmente, o cara acaba agradecendo a ela por tê-lo ajudado a reconhecer os próprios sentimentos. Fala sério.

Summer (Zooey Deschanel) / Divulgação

Já, ao passo em que Ramona, de Scott Pilgrim, tem de lidar com sete ex-namorados psicóticos em sua cola, e agir como a parceira mais desprendida e sensual para seu atual namorado esquisito (Michael Cera), a alma livre de Penny Lane, de Quase Famosos, conquista inúmeros admiradores – e “ai, dela”, se não der valor a eles; mesmo sem sequer ter pedido por isso.

Pesquisando sobre o assunto na internet, encontrei uma página da wikiHow sobre “como ser uma manic pixie dream girl em 10 passos”. Sim, é isso mesmo. Não, você não leu errado. Dentre as dicas, estão “seja otimista (…) seja qualquer coisa, menos alguém comum”, “encontre um amor (…) a manic girl pode agir como sua tutora (do parceiro)”, e “use roupas retrô“. Então, basicamente, para você passar pela experiência – duvidosa – de sentir-se como uma garota que se enquadra na nomenclatura em questão, você precisa ser a pessoa mais divertida, sensata, alto-astral e estilosa do relacionamento, e caso ele seja heterossexual. E o homem? Bem, o homem terá a honra de permanecer ao seu lado, sem precisar fazer nada.

Ramona (Mary Elizabeth Winstead) / Divulgação

E agora, já revirou os olhos? Dentro de um relacionamento amoroso saudável, ambos os lados precisam estar dispostos a conversar, a abrir mão de certas coisas e a evoluir. Aliás, este último item, evolução, é algo que dependerá muito mais de autocrítica e de tomar atitudes por conta própria. As mulheres não têm qualquer tipo de dever em relação aos homens, e vice-versa. Quando duas pessoas adultas decidem ficar juntas, muito provavelmente, é por um desejo mútuo de compartilharem suas vidas. E, dentro da lógica da manic girl, apenas a mulher tem o papel de conciliadora; de Rivotril masculino. As coisas não são bem assim, na realidade – ou não deveriam ser.

O principal perigo que as manic girls apresentam, diz respeito à influência nos adolescentes. Afinal, nessa fase, idealizamos perfis românticos em demasia – como o da garota sempre divertida e solícita. Estamos acostumados a projetar gostos pessoais nas demais pessoas e, ainda na adolescência, esse tipo de projeção é potencializado. É mais comum que essa faixa etária apresente problemas para compreender a finitude das coisas e para lidar com situações aversivas, do que um adulto, que está mais preparado para tal. Um exemplo disso é o fato de a depressão ter crescido consideravelmente entre os jovens, nos últimos anos. Então, influências midiáticas acabam, sim, afetando a forma como os adolescentes enxergam os outros e eles próprios.

Penny Lane (Kate Hudson) / Divulgação

A pressão social estética sempre vai apontar para as meninas, e determinar como – e quem – elas precisam ser. Personagens que se enquadram no perfil de manic pixie dream girl continuam confundindo mentes adolescentes, que se esforçam à exaustão para serem vistas como atraentes, singulares e especiais. E isso é algo que só percebemos quando ficamos mais velhos: nem se você seguir mil passos de uma lista irresponsável, alcançará a chamada perfeição. E – agora, eu falo diretamente com você, mulher –, não há nada mais revolucionário no mundo do que uma mulher que se ama do jeito que ela realmente é. Por isso, seja gentil consigo mesma. Tenho certeza de que você é muito mais interessante do que pensa.

 

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