Iya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina) são amigas, lutaram juntas na Segunda Guerra Mundial e sobreviveram. Mas o que significa sobreviver a um conflito de tamanhas proporções, afinal? Em Uma Mulher Alta, representante da Rússia no Oscar 2020, acompanhamos duas jovens mulheres que tentam refazer suas vidas numa Leningrado (atual São Petersburgo) arrasada.
O ano é 1945. A guerra chegou ao fim e a União Soviético terminou vitoriosa. Masha é finalmente dispensada do serviço militar e vai reencontrar-se com Iya, a amiga que havia sido afastada dos campos de batalha antes dela, por ter sofrido uma concussão cerebral que lhe causa repentinos episódios de paralisia.
Dirigido por Kantemir Balagov e inspirado no livro “A Guerra Não Tem Rosto de Mulher”, da autora ganhadora do Nobel de Literatura Svetlana Aleksiévitch, o longa investiga os desdobramentos de uma história de dependências e obsessões.
O PÓS-GUERRA COM ROSTO DE MULHER
O pano de fundo de Uma Mulher Alta é um país cujo povo vivencia o gosto amargo da vitória. Amargo porque a guerra, inevitavelmente, deixa rastros de destruição humana e material também para os “vencedores”.
Então, partindo de perspectivas femininas múltiplas e de uma reconstrução de época impressionante, Balagov desenvolve os conflitos de suas personagens em um contexto de miséria, falta de perspectiva, tragédia coletiva e traumas irreparáveis; elementos que causam esgotamentos físicos e psicológicos na população.
Iya, tímida e introvertida, trabalha como enfermeira em um hospital que recebe soldados feridos – vários mutilados, inclusive. Masha tenta se recolocar profissionalmente, intensa e cheia de vontade de viver bem. São duas personagens de personalidades opostas, e o filme comunica tais diferenças também por suas cores.
Enquanto o verde predominante em uma demonstra passividade e solidão, o vermelho predominante da outra indica paixão e agressividade. A certa altura, porém, as cores trocam de personagem.
Da mesma forma, chama atenção a iluminação bastante amarelada dos dias em Leningrado. Em alguma medida, representando o quão transtornada e desesperada é a busca das mulheres protagonistas por se apegar a qualquer coisa que se pareça com a normalidade que um dia conheceram.
ATMOSFERA
O desconforto causado tanto pelo cenário caótico do pós-guerra como pelas disfunções (de corpo e mente) de Iya e Masha é transmitido ao espectador através de cenas prolongadas, que extrapolam o que seria considerado limite de corte da ação e nos inserem em situações das quais não é possível escapar. Dessa maneira, a duração das cenas contribui fortemente para a manutenção de uma atmosfera tóxica de impotência e desnorteamento.
Testemunhamos, então, o que há de melancólico no heroísmo nada épico de soldados que servem ao seu país e ficam impedidos de servir às suas próprias famílias; e, principalmente, o que há de nefasto numa relação autodestrutiva.
Ainda mais brutal nas entrelinhas, Uma Mulher Alta ficcionaliza as consequências da guerra partindo de esferas íntimas da vida cotidiana, onde as tensões sociais do período misturam-se aos dilemas pessoais dos indivíduos e acabam se manifestando de forma completamente visceral. Asfixiante, portanto, seria um bom adjetivo para classificar o conjunto desta obra de Kantemir Balagov.
Leia também a crítica de Retrato de uma Jovem em Chamas, longa francês indicado ao Globo de Ouro 2020 de Melhor Filme Estrangeiro.
Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Kantemir Balagov
Duração: 2h17
País: Rússia
Ano: 2019
Elenco: Vasilisa Perelygina, Viktoria Miroshnichenko, Ksenia Kutepova
Gênero: Drama
Distribuição: Supo Mungam Films
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