No último domingo (06), durante a cerimônia do Globo de Ouro 2019, a veterana de Hollywood Glenn Close mal pôde acreditar quando seu nome fora anunciado como o vencedor. Em um belo e simbólico discurso, a protagonista do longa-metragem A Esposa – que estreia nesta quinta-feira (10) nos cinemas – agradeceu pelo prêmio de Melhor Atriz em Filme Dramático, e relembrou a própria história.
“Estou pensando em minha mãe, que realmente se submeteu ao meu pai toda a sua vida. E, em seus oitenta anos, ela me disse: ‘eu sinto que não conquistei nada’. (…) O que aprendi com toda esta experiência foi que, nós, mulheres, somos protetoras. É o que é esperado de nós. Nós temos nossos filhos, temos nossos maridos (…). Mas, nós temos que encontrar realização pessoal. Temos que seguir os nossos sonhos”, pontuou Close, seguida de aplausos calorosos.
No filme de Björn Runge – e inspirado no romance de Meg Wolitzer–, Joan (Close) é a esposa do prestigiado escritor Joe Castleman (Jonathan Pryce), que acaba de ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Enquanto ambos aguardam o dia da cerimônia de premiação, em Estocolmo, Joan tem de lidar com muito mais do que as inseguranças e o egocentrismo do marido.
Assediada pelo jornalista Nathaniel Bone (Christian Slater), que anseia pela escrita da biografia de Joe, a esposa do romancista entra em conflito consigo mesma. À medida em que a premiação se aproxima, segredos do passado dos Castleman começam a vir à tona – o que mostra que Joan sacrificou muito mais do que aquilo que aparenta em prol de seu casamento.
Visivelmente autoconsciente, a performance de Close é primorosa. Cada linha de expressão em seu rosto denuncia uma mudança de sentimento – que passa da mais profunda gratidão ao reconhecimento desesperador do fracasso. E, naturalmente, tanta qualidade interpretativa cresce através da câmera generosa, e sempre aproximada, de Runge.
Mesmo que Close seja a parte central e o motivo de maior prestígio de A Esposa, o longa-metragem é agraciado, também, com a atuação de Pryce; que entrega um exemplar do mais alto estágio de manipulação masculina. Quais seriam os limites do institucionalizado machismo, e que infesta a nossa sociedade?
Através de um mero vislumbre, percebemos, na produção de Runge, que a subjugação feminina pode ser violenta sem demandar um toque ou palavra previamente escolhida sequer. Ao contrário disso, no entanto, a condução (sutilmente) coercitiva da entidade masculina pode vir, em conjunto, de quem mais nos dá amor, em todo o mundo.
No caso de Joan, a relação abusiva parte de seu marido e pai de seus filhos. Então, a protagonista é cronicamente enganada a pensar que aquela dinâmica de seu casamento fora estruturada em comum acordo. Por vias legais, talvez, suas escolhas possam, mesmo, ser vistas como exclusivamente suas. Já sob um olhar humanizado, o abuso masculino é simplesmente inquestionável; e as atitudes de Joan aparecem como condições impostas por Joe.
Dessa forma, o casal de personagens brancos, de alto poder aquisitivo, encontra o mais propício cenário à sua relação na conservadora elite acadêmica. Pouquíssimo contestador, esse grupo de intelectuais molda a protagonista à sua forma, e desde o início de sua vida adulta; derrubando o muro metafórico que separa seu campo profissional do pessoal.
Quanto à falta de oportunidades para as mulheres das décadas de 1950 e 1960, esta respinga na ansiedade social que atinge Joan. E, mais do que isso, impede a – uma vez – jovem escritora de, ao menos, tentar. Talvez, ela pudesse ter sido “uma em um milhão”, e deslanchado em uma carreira. O fato é que jamais saberemos, porque a história que o filme conta é outra. Ainda assim, a possibilidade de um sucesso íntegro e restrito à personagem é o que desperta a discussão proposta pelo longa-metragem.
A Esposa é, portanto – e dentre várias outras coisas –, uma projeção pertinente de todas as frustrações femininas e ocasionadas por sexismo(s). Muito mais do que a retratação do preparo de um laureado com o Prêmio Nobel, o filme é uma brilhante tentativa de desmistificar a grandeza imaculada daquela elite.
Ao final, a mensagem pretendida é bastante clara: até mesmo o mais prestigiado dos seres pode reproduzir a mais antiga dentre as formas de opressão humana. E, no caso de Joe, a potência com a qual oprime a própria esposa é a das maiores e mais trágicas, possível.
Os indicados à 91ª edição dos Prêmios Oscar serão revelados no próximo dia 22 (janeiro). Já a cerimônia oficial acontecerá no dia 24 de fevereiro de 2019. Até lá, podemos torcer pela Joan de Glenn Close.
Ficha técnica
Direção: Björn Runge
Duração: 1h41
País: Suécia, EUA
Ano: 2018
Elenco: Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Christian Slater
Gênero: Drama, Suspense
Distribuição: Pandora Filmes
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