Aranha e os entulhos da ditadura chilena

De volta ao início da década de 1970, durante o período de movimentações políticas pré-golpe de 1973, o chileno Andrés Wood, mesmo diretor de Machuca e Violeta foi para o céu, em Aranha coloca foco sobre a relação tortuosa nascida entre três fictícios membros do paramilitar, terrorista e de extrema direita grupo Pátria e Liberdade, peça importante no processo de desestabilização do governo Allende.

‘Aranha’/ Divulgação

Representante do Chile no Oscar 2021 de Melhor Filme Internacional, o longa acompanha dois momentos da vida  de Inés (María Valverde/ Mercedes Morán), seu esposo Justo (Gabriel Urzúa/ Felipe Armas) e Gerardo (Pedro Fontaine/Marcelo Alonso). Na juventude, os dois primeiros eram garotos ricos, hipócritas conservadores e sádicos, aproveitando o período de convulsão política e social como uma permissão conjuntural para extravasar energia, fazendo da violência um jogo, uma aventura. Gerardo, por sua vez, vinha da classe média e abraçava o delírio nacionalista com fanatismo. Os três compartilhavam atividades no Pátria e Liberdade e acabaram envolvidos num triângulo amoroso. Porém, o desenrolar de um crime político que cometeram juntos separa seus destinos.

Quarenta anos depois, Gerardo reaparece em busca de vingança e ainda mais obcecado pela causa que defendia. O problema é que suas ações ameaçam revirar o passado de Inés e Justo, agora empresários influentes, um casal tradicional com uma imagem a zelar.

Com o brasileiro Caio Blat no elenco, Aranha, cujo título faz referência ao símbolo do Pátria e Liberdade, muito parecido à suástica nazista, questiona: onde se escondem os articuladores de ditaduras quando elas acabam?

MUITO MAIS QUE 17 ANOS

A História não costuma cobrar muito caro na América Latina. Oficialmente, a ditadura civil-militar implementada no Chile a partir do golpe de 11 de setembro de 1973 durou 17 anos. Entretanto, muito restou do período, e o acerto de contas com as agentes da barbárie até hoje é insatisfatório.

Imagem: divulgação

Não por acaso foi somente em 2019, quando uma revolta popular voltou a tomar as ruas depois de décadas de traumas causados pela ditadura, que o país, através de uma Assembleia Constituinte, finalmente começou a pensar em como se livrar da constituição pinochetista e toda sua  herança legal.

Mas nem mesmo uma nova Constituição pode fazer desaparecer instantaneamente a influência das sobras de apoiadores e articuladores de regimes autoritários. Como Wood faz questão de mostrar em Aranha, essa gente se esconde nas sombras, atravessando ciclos políticos, dançando conforme a música da conjuntura da vez. São políticos, empresários, donos de escolas, líderes religiosos, juízes, donos da mídia hegemônica…Gente muito bem protegida por estruturas maciças de poder, como Inés e Justo. 

Ou podem ser como Gerardo, usado como boi de piranha: cidadãos médios que dão rosto ao desvario, descontando ódios e frustrações numa busca delirante e alienada por inimigos internos que devem ser combatidos em prol da conservação de uma ordem que sequer os beneficia. Em 1970, esses inimigos eram os comunistas. Na atualidade, o “bandido bom é bandido morto”, os imigrantes, etc. 

Firme, o longa deixa muito claro seu posicionamento enquanto executa a difícil missão de manter o espectador envolvido num contexto de violência, cinismo e fanatismo por quase duas horas – feito alcançado também graças ao impressionante desempenho do elenco das duas fases da trama. O desconforto da experiência é inevitável, e se aprofunda conforme a sobreposição de linhas temporais vai evidenciando as modulações de personalidade de cada um dos três protagonistas, até desembocar numa cena final tão perturbadora como possível. É, portanto, a habilidade de manejar uma história protagonizada pela perversão e tocada pela decadência humana que faz de Aranha um thriller político de altíssimo nível. 

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Trailer:

(Fonte: Pandora Filmes Trailers/ YouTube)

Ficha Técnica:

Direção: Andrés Wood

Duração: 1h45

País: Chile

Ano: 2019

Elenco: Mercedes Morán, María Valverde, Marcelo Alonso, Felipe Armas, Pedro Fontaine, Caio Blat, Gabriel Urzúa, Jaime Vadell

Gênero: Drama, Thriller Político

Distribuição: Pandora Filmes

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