Coluna: 50 tons de constrangimento

Lançado em 2015, o primeiro filme da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, baseada nos livros homônimos da escritora best-seller Erika Leonard James, levou multidões aos cinemas. Agora, em 2018, a terceira e última produção da franquia também chegou às salas de exibição fazendo estrondosa bilheteria, mesmo sendo a menor da trilogia.

Vendidos como obras direcionadas a mulheres “modernas” e “autossuficientes”, tanto os filmes quanto os livros se valem de um falso – fajuto e vergonhoso – marketing feminista para contar a história de Anastasia Steele (Dakota Johnson), jovem simples e insegura, que desperta a paixão do milionário, irresistível e incompreendido Christian Grey (Jamie Dornan). O mais puro e simples clichê da mocinha romântica que, com seu amor, transforma o caráter duvidoso do herói, “injustiçado” pela vida.

Uma das primeiras cenas em que Anastasia se menospreza diante de Grey (fonte: canal da Universal Pictures Brasil):

Que os filmes não trazem nada de novo sob o sol, e muito menos podem ser validados como feministas, não é novidade. Você não pode esperar que um filme em que a protagonista sofre “pequenas” violências o tempo todo – e é frequentemente induzida a se posicionar como submissa frente a um homem caprichoso e misógino –, seja validado como empoderador só porque, vez ou outra, essa mesma personagem contesta ordens masculinas ou transforma o cara em um “novo alguém”. Nada disso importa. Estes filmes retratam um relacionamento completamente abusivo contra uma mulher. Anastasia sempre fora humilhada de diversas formas e nunca teve como medir forças com Christian, de igual para igual.

Também não é segredo, nem para a crítica e nem para o público, que 50 Tons, cinematograficamente falando, é uma das franquias mais vergonhosas da história do cinema. Sua origem já é constrangedora por si só: as histórias nasceram de uma fanfiction da saga Crepúsculo. Ou seja, Christian Grey seria a versão mais “selvagem” e “instintiva” (sexualmente falando) do vampiro Edward, aquele que brilha no sol e não faz mal a nenhum ser humano, por opção.

A cena em que Grey diz “ter gostos peculiares” soa tão absurda que se tornou matéria-prima para memes. (reprodução Facebook ‘Diva Depressão’)

Nessa conta, ainda é possível adicionar as situações mais improváveis promovidas por um roteiro bizarro e plastificado – com machismo disfarçado, diálogos caricatos e montagem estapafúrdia, que proporciona um total “de zero sentido” entre uma cena e outra. Quem não se lembra de Anastasia caindo na sala de Grey? Queda, esta, que serviu como um literal pontapé para o início do romance. Ou, das cenas em que a protagonista tenta se impor e falha miseravelmente? Nem no quesito erotismo a trilogia se sai bem, oferecendo cenas pífias que “prometem” e não chegam nem perto de cumprir alguma coisa.

Considerando que a qualidade duvidosa da franquia já é amplamente reconhecida, e que todas as problematizações já foram devidamente elaboradas nos últimos anos, este texto tem a intenção de tratar sobre o quanto é constrangedor passar duas horas assistindo a cada uma das três produções.

Indiscutivelmente, o cinema é um meio muito potente e eficiente em provocar emoções. Mas, 50 Tons carrega consigo um mérito próprio: poucos filmes são tão bem sucedidos em provocar vergonha alheia em quem os assiste.Trata-se de um constrangimento imensurável, que pode fazer seu rosto corar de vergonha, sua boca abrir de espanto e sua voz interior, a do bom senso, pensar “eu não acredito que isso está acontecendo”. Todas essas reações são envolvidas, é claro, pelo famoso “riso de nervoso” e pela indignação com o “marketing feminista”.

Mais uma cena constrangedora para você desfrutar:

A dinâmica é mais ou menos a seguinte: no primeiro filme, você problematiza tudo que parece  – e que realmente chega a – ser extremamente errado. No segundo, já sem muitas esperanças, é possível que você tenha aberto mão de parte do senso crítico e aceitado a galhofa (ainda que alguns “ápices” de conflito pareçam bizarros e inaceitáveis). Chegando ao terceiro filme, além de você ser um verdadeiro guerreiro(a), também pode ter aceitado o potencial cômico de 50 Tons.

Vamos relembrar as produções The Room e Sharknado. The Room, considerado um dos piores filmes da história pelo público cinéfilo, precisou de pouco mais de uma década para ter sua tosquice e potencial cômico absurdo reconhecido – o longa, de 2003, acaba de ser revisitado em Artista do Desastre, filme que recebeu a indicação de Melhor Roteiro Adaptado no Oscar 2018. Já Sharknado se tornou uma franquia “ame-a ou deixe-a”. Eu, particularmente, sou da opinião de que aquela cena em que o protagonista é engolido pelo tubarão voador e depois consegue sair do estômago do bicho, e ainda salvar a moça que foi engolida anteriormente, é uma obra-prima às avessas.

Sem dúvidas, 50 tons deve seguir um rumo semelhante. Impossível passar pelos três filmes da franquia sem ficar abismado a ponto de soltar gostosas e nervosas gargalhadas. Se esse for o seu caso, espectador, meus parabéns, pois você soube “tirar leite de pedra” e se divertir com essa experiência, no mínimo, inusitada.

 

*Nesta lista, o HuffPost listou nove curiosidades sobre Cinquenta Tons de Cinza. O terceiro item revela que Anastasia “cora” 111 vezes no decorrer do primeiro livro. Só me resta dizer que nós também coramos; de vergonha alheia.

 

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