É ao som de Erre, da banda goiana Boogarins, que sobem os créditos ao final de Paulistas. Mas, apesar da canção sobre partidas e rupturas, o primeiro longa-metragem do diretor – também goiano – Daniel Nolasco não fala apenas sobre finais. Seu documentário retrata ciclos e transformações.
Paulistas é uma região rural localizada ao sul do estado de Goiás, onde, durante os anos 1990, a expansão da monocultura agrícola e da exploração de recursos hídricos intensificou o êxodo rural. Hoje, não existem mais jovens morando na região.
Partindo desse contexto, Nolasco optou por fazer um recorte específico em seu filme: ele gravou em julho, período de férias e época em que os filhos voltam para visitar os pais. Através do olhar dos irmãos Samuel, Vinícius e Rafael, o documentário retoma a própria história do diretor, que também passou por esse processo de migração. Assim, o longa se transforma em um registro que oscila entre diferenças geracionais e tradições que não se perdem.
Logo no início, uma cena em que o médico da cidade mede a pressão de alguns idosos estabelece como vivem os moradores do lugar e suas rotinas. Mais tarde, quando os jovens chegam, essas rotinas vão, pouco a pouco, tomando outras formas. Além de trazerem consigo os celulares, a internet e as mensagens virtuais, esses filhos de Paulistas também são recebidos com leitões assados e festas, que misturam músicas regionais com “sertanejos pop”.
Apesar da premissa clara, Paulistas não é um filme facilmente tragável. Não espere dele um documentário tradicional, com entrevistas, declarações impactantes e enquadramentos previamente pensados. Aqui, a montagem é completamente carregada. Por registrar um contexto que também lhe diz respeito, o diretor se dá ao direito de gravar extensas cenas que parecem banais e intermináveis. Cenas que podem ser cortadas antes do que o público espera, ou que podem demorar muito mais para terminar. Os cortes são sempre uma surpresa. Somados à imensa ausência de diálogos, os 76 minutos de duração podem parecer levar muito mais tempo para acabar.
Se, por um lado, esse ritmo ameaça tornar a obra maçante, por outro, ele é justificável pela proposta de imersão que o diretor arrisca colocar diante do espectador. Em determinado momento, por exemplo, o desconforto gerado pela cena da limpeza do leitão (que demora muito mais para acabar do que poderíamos prever) gera inquietação. Mas isso nada mais é do que consequência do estranhamento em relação ao que não nos é familiar.
Nossa ideia de cinema nacional atrelada especialmente aos filmes do eixo Rio-SP é confrontada diretamente por um filme como este. Um filme cru, registro de um Brasil que não é visto nas telas; de uma região rural central do país; nada glamourosa, mas muito real. Registro íntimo de um cotidiano não raras vezes desconhecido. Paulistas pode não ser um filme fácil ou divertido, mas ele ocupa um lugar necessário.
* O curta-metragem Quando Os Dias Eram Eternos, animação do brasileiro Marcus Vinicius Vasconcelos, antecede as exibições de Paulistas. A partir de traços belíssimos e muita sensibilidade, Vasconcelos retrata o luto que viveu depois da morte de sua mãe, e proporciona ao público uma animação que representa os “rabiscos”, conflitos e turbilhões da vida. Revela-se uma agradável experiência poder assistir no cinema a um curta nacional antes de um longa.
**Paulistas é distribuído pela Sessão Vitrine Petrobras com ingressos de até R$ 12,00 (inteira), em mais de 20 cidades. Consulte a programação aqui.
Ficha técnica
Direção: Daniel Nolasco
País: Brasil
Ano: 2018
Gênero: Documentário
Distribuição: Vitrine Filmes
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