Tendo atingindo centenas de milhões de assinantes, a Netfilx atua no mercado televisivo e cinematográfico como uma grande produtora de conteúdo audiovisual. Todo mês, de janeiro a dezembro, a plataforma de streaming lança, diretamente em seu site, séries e filmes originais. E, desde 2013, quando House of Cards, a primeira websérie produzida pela Netflix, foi lançada na plataforma, os hábitos do consumidor mudaram radicalmente.
Assistir a séries de episódios exibidos semanalmente tornou-se algo incomum nos dias de hoje. Isso se dá pelo fato de que – com o próprio streaming da Netflix, além da Amazon e HBO GO, por exemplo –, um costume de décadas, que perdurou até a nossa geração de jovens adultos, finalmente sucumbiu à modernização frenética. Quando nosso pais eram crianças, era provável que se sentassem no sofá de casa juntamente com nossos avós, para assistir à clássica Bonanza (NBC) ou, quem sabe, à inesquecível Star Trek (também exibida pela NBC).
Agora, quase seis décadas depois, comentar e maratonar novos programas de streaming, quando quisermos, faz parte de nossa rotina. Seguindo essa linha, a Netflix aumentou sua produção original de maneira muito ampla e, várias vezes, sequer temos conhecimento de que determinado material será produzido – quanto mais, lançado na plataforma. Isso acontece graças à pouquíssima divulgação realizada pela empresa (o que é muito diferente do que acontece com os filmes no cinema).
Às vezes, tomamos consciência de muitas dessas produções “escondidas” somente através das listas de material “sugerido” – baseadas na obtenção de dados sobre gostos pessoais do assinante. Ainda assim, é bem provável que o sistema lhe sugira títulos popularmente conhecidos, e não aqueles de menor demanda.
Mas, então, por que a Netflix produz muito mais conteúdo do que o que “pode” divulgar?
No quarto trimestre do ano passado, a empresa faturou um lucro líquido de 186 milhões de dólares. A expectativa de lucro para o primeiro trimestre deste ano, no entanto, é de 282 milhões de dólares. Ou seja, o que não falta para a Netflix é poder aquisitivo para produzir conteúdo de qualidade (pelo menos, tecnicamente falando). Uma tática que a plataforma vem adotando nos últimos tempos, entretanto, é lançar uma quantidade absurda de séries e filmes originais, como forma de “testar” aquilo que fará sucesso ou não entre seu público.
Para isso, os algoritmos de medição dos dados dos assinantes são totalmente úteis. Apostando nessa estratégia, a empresa conta que os algoritmos fornecerão informações o suficiente a respeito daquilo no que deverão investir. Um exemplo disso é a Netflix lançar temporadas muito curtas de várias séries (com cinco ou seis episódios, por exemplo), ou cancelar outras tantas. O caso que mais pode ilustrar a flexibilidade da plataforma, diante das demandas de seus consumidores, é o cancelamento de Sense8 (das irmãs Wachowski).
A série de suspense e ação, que flertava com teorias científicas, tinha um custo muito alto para um público relativamente pequeno. O mesmo aconteceu com The Get Down (de Baz Luhrmann), considerada uma das séries mais caras do streaming. Dessa forma, investir em projetos menos custosos, e mais numerosos, tem sido uma boa opção à empresa – já que, assim, mais nichos são atingidos.
Não há declarações oficiais de membros da Netflix a respeito da baixa divulgação de seus materiais. Mas, mesmo assim, a partir da exposição de seus dados empresariais, assim como através de pesquisas sobre o mercado em questão, conseguimos chegar à uma análise aproximada dos verdadeiros porquês. Basicamente, gastar com a divulgação de todas as suas séries e filmes não é algo tão lucrativo para a empresa. Em contrapartida, uma pesquisa, digamos, “direta” dos hábitos dos assinantes é muito mais eficiente do que promover cada uma de suas produções ao grande público.
A partir daí, a Netflix tem revolucionado nossa relação com a televisão, forçando até mesmo os canais abertos a lançarem suas próprias plataformas de streaming (como a Globo Play, por exemplo).
No que isso realmente nos afeta?
Quando qualquer produtora prioriza a quantidade, ao invés da qualidade de seu conteúdo, nos deparamos com uma enxurrada de enredos sem pé nem cabeça e direções mal feitas. E, infelizmente, muito do material original da Netflix tem apresentado esse padrão – como os filmes Mudo, Onde Está Segunda? e Bright, e as séries Altered Carbon, Re:Mind e diversas outras, cujo desenvolvimento se dá de forma piorada ao longo das temporadas.
É fato que a Netflix funciona de uma maneira muito diferente da televisão, justamente por suas demandas serem focadas em variedade e ineditismo. Mas, ainda assim, esperar que a empresa invista mais em divulgação, e menos em superprodução, não é algo nada despropositado. Se a cada série de nicho, tempo de produção e qualidade fossem priorizados – diminuindo, assim, a quantidade enorme de lançamentos –, a plataforma talvez pudesse equilibrar muito bem as coisas. Quem sabe, em um futuro próximo, os algoritmos indiquem exatamente isso à Netflix.
(Imagem destacada):
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