SEMENTES: Mulheres Pretas no Poder

Março de 2018. O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, do PSOL, marca drasticamente o ano eleitoral e se transforma em um dos episódios mais deploráveis da história política recente do Brasil. Preta, periférica, lésbica, feminista, socióloga e defensora dos direitos humanos, Marielle teve sua trajetória individual interrompida de forma brutal por poderosos interesses contrários aos seus. O crime  que pretendia silenciar tudo o que a vereadora representava na política institucional do país, porém, surtiu efeito contrário: nas eleições de 2018, mais de 4 mil mulheres negras, de vários estados, se candidataram a cargos legislativos; número 93% maior em comparação a eleição anterior. Foram esses dados que chamaram a atenção das diretoras Éthel Oliveira e Júlia Mariano e motivaram a feitura do documentário Sementes: Mulheres Pretas no Poder.

Imagem: divulgação

DO LUTO À LUTA

Realizado com baixo orçamento, via financiamento coletivo, “Sementes” apresenta ao espectador algumas das mulheres negras candidatas em 2018 no Rio de Janeiro; mulheres que contrariaram as represálias dos envolvidos no assassinato de Marielle – até hoje em investigação – e fizeram do luto, luta. São elas: Mônica Francisco, Rose Cipriano, Renata Souza, Jaqueline de Jesus, Tainá de Paula e Talíria Petrone.

Então, tendo como eixo narrativo a mobilização dessas candidatas contra a brutalidade e em prol da ampliação da diversidade nas esferas institucionais de poder, o filme registra desde o início das campanhas eleitorais até o dia da posse das que são eleitas. Nesse processo, as dificuldades e conquistas de cada uma das personagens inevitavelmente apontam para características importantes das tensões que configuram a sociedade brasileira dos últimos anos – como, por exemplo, a polarização; o clima das ruas, da internet e das engrenagens do sistema político.

“Sementes: Mulheres Pretas no Poder”/ Divulgação

VIRANDO A MESA DO PODER

Em certa medida, “Sementes” assemelha-se à proposta de Virando a Mesa do Poder, documentário original Netflix cujas protagonistas são mulheres que, em 2018, nos EUA, também se dispuseram a concorrer às eleições do legislativo, disputando espaço com campanhas milionárias de políticos profissionais. Além disso, é comum aos dois filme a preocupação em contextualizar as conjunturas sócio-políticas que levaram as mulheres retratadas a enxergarem a ocupação do legislativo como ação de continuidade à ocupação das ruas.

Contudo, os documentários conduzem suas abordagens de formas diferentes. Enquanto Virando a Mesa do Poder dedica mais espaço a contar a história de cada personagem, o longa brasileiro parte de uma experiência bastante específica – a execução de Marielle Franco – para registrar uma espécie de panorama da ebulição social brasileira num ano em que o feminismo e o fascismo se enfretaram implacavelmente.

(Fonte: Embaúba Filmes/ YouTube)

Talvez seja por isso que além de não apresentar detalhadamente os perfis das personagens, “Sementes” não esmiúce os pormenores burocráticos do processo eleitoral. Em tela, as seis mulheres representam um movimento, uma tendência, um indicativo de nossos tempos. Trata-se de cinema de guerrilha, como bem pontuaram as diretoras durante a apresentação do filme no dia da estreia – online, devido à pandemia. 

Feito sob o ímpeto do registro, no calor do fluxo de manifestações, embates, comoções, polarizações e surpresas (nem sempre positivas) e quase tão artesanal como a panfletagem das protagonistas, Sementes: Mulheres Pretas no Poder entra para o hall de filmes que futuramente poderão ser consultados sobre as contradições do Brasil no pós-golpe de 2016.

“Sementes: Mulheres Pretas no Poder” fica disponível gratuitamente no canal de YouTube da Embaúba Filmes até 30 de setembro.

Leia também: Indianara: ser mulher e ativista trans no Brasil”

Ficha Técnica:

Direção: Éthel Oliveira, Júlia Mariano

Duração: 1h45

País: Brasil

Ano: 2020

Gênero: Documentário

Distribuição: Embaúba Filmes

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário