Leidiane cuida dos filhos sozinha enquanto espera pelo marido que está preso. Andreia se empenha em juntar dinheiro para se mudar. Vizinhas e amigas, elas sobrevivem em um bairro violento da periferia de Belo Horizonte, trocam confidências, compartilham vivências, aflições, tragédias particulares, pequenas alegrias e protagonizam Baronesa.
O longa de estreia da cineasta Juliana Antunes foi classificado como drama, mas poderia facilmente ser considerado como um doc-ficção. Sem atores, Andreia Pereira de Souza e Leidiane Ferreira performam suas próprias vidas diante das lentes da câmera que as acompanha, contando o que querem sobre si mesmas e tendo a liberdade de serem quase donas de sua própria narrativa – quase, porque há sempre de se considerar a presença da câmera, da edição e montagem.
Baronesa já estreia como obra de extrema importância dentro do cenário do cinema nacional. Em primeiro lugar, por ser um caso raro de filme feito por uma equipe quase que totalmente formada por mulheres. O longa também carrega o mérito de ser protagonizado por essas duas mulheres negras, pobres, periféricas. Figuras sempre esquecidas no cinema brasileiro – quando não são espetacularizadas nas comédias comerciais, claro. Além disso, o cinema tem o hábito de retratar a periferia através do olhar masculino, condição aqui subvertida.
Ao destinar pouco mais de 70 minutos ao protagonismo de Leidiane e Andreia, Antunes rompe com todo um status quo de cinema brasileiro masculino e branco, envolvendo o espectador numa abordagem um tanto quanto naturalista de conflitos que costumam ser retratados pelo enredo da novela melodramática ou pelo noticiário sensacionalista.
Sem máscaras sociais e “amaciamentos”, as protagonistas mostram que são sujeitas de si mesmas, que têm plena consciência das opressões diárias que sofrem, das desigualdades de que são vítimas, do sistema violento e perverso em que estão inseridas e da importância da parceria entre elas. Assim, cabe ao público se despir de todo tipo preconceito e aceitar a jornada de imersão que a diretora propõe. Uma empreitada nada fácil , mas necessária.
Aliás, o cinema mineiro tem se mostrado cada vez mais disposto a desafiar as estéticas e temáticas impostas pelo cinema nacional comercial concentrado no eixo Rio-SP. Afrontar todo um imaginário institucionalizado e nivelado pelo entretenimento pode ser uma luta árdua e lenta, mas é sem dúvidas revolucionário.
Quando novos diretores chegam às salas de exibição – ainda que poucas, infelizmente – com toda a potência de obras que se dispõem a tratar dos assuntos mais invisibilizados da esfera pública brasileira, todos nós, enquanto sociedade, saímos ganhando.
Em abril, por exemplo, aconteceu a estreia de Arábia. O excelente longa de Affonso Uchoa e João Dumans chegou às grandes telas abordando a figura do operário, o indivíduo mais explorado da pirâmide econômica e social, aquele que não interessa a ninguém no dia a dia, muito menos durante a ida ao cinema, um momento de lazer e relaxamento.
Baronesa repete agora, poucos meses depois de Arábia, o feito de se tornar obra preciosa e urgente do cinema nacional contemporâneo.
*O curta Travessia, de Safira Moreira, abrirá as sessões de Baronesa – ambos distribuídos pela Sessão Vitrine Petrobras. Nele, a diretora se inspira na ausência de fotografias da bisavó e da avó materna para tratar do apagamento histórico da população negra no Brasil.
Trailer de Baronesa:
(Fonte: Vitrine Filmes/ YouTube)
Ficha técnica
Ano: 2018
Duração: 1h13
Direção: Juliana Antunes
Elenco: Andreia Pereira de Sousa, Leidiane Ferreira, Felipe Rangel dos Santos
Gênero: Drama
Distribuidora: Vitrine Filmes
País: Brasil
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