Magda (Paz Vega) dedicou 20 anos de sua vida à maternidade e ao papel de boa esposa de Alejandro Guzmán (Julio Bracho), um poderoso empresário mexicano. Cansada de ser agredida e humilhada pelo marido e percebendo que os negócios sujos da família colocam a vida dos filhos em risco, a mulher, até então acostumada a ter uma vida de luxo, decide abrir mão de tudo e forjar o próprio sequestro para, junto dos três filhos adolescentes, se fazer perder das vistas abusivas de Alejandro.
Assim começa Fugitiva, série espanhola que chegou discretamente ao catálogo da Netflix no último dia 23 – diferente de Elite, que contou com toda uma campanha de marketing no Brasil. Dirigida por uma mulher, Belén Macías, a produção demonstra ter vontade de ser uma série com forte mensagem contra violência de gênero.
“É a história de uma mulher que acreditou no príncipe azul, um conto que nos vendem desde pequenas, e que vê como sua vida se torna um inferno por causa desse homem aparentemente perfeito”, resumiu a atriz Paz Vega, em entrevista ao El País.
De fato, a obra é bastante competente ao retratar como se dá o ciclo de violência doméstica dentro de uma casa de classe alta, como o dinheiro e a influência social e política são fatores determinantes para a manutenção de ameaças, violências físicas e emocionais, e como todas essas forças fizeram com que Magda apelasse para soluções drásticas.
Através de flashbacks, a série se preocupa em mostrar o que levou a protagonista a sentir tanto desespero a ponto de planejar o próprio sequestro, e como ela fez da maternidade sua única motivação de vida. Durante 20 anos de casamento, a mulher acabou afastada da mãe e do irmão, dedicando-se inteiramente a criar os filhos numa bolha de superproteção – tornando-os adolescentes apáticos a qualquer coisa, inclusive ao sofrimento da própria mãe.
Já a partir do episódio piloto, a Magda que vivia de aparências, bem vestida e com bonitos cabelos dourados, vai dando espaço a uma Magda desgrenhada, que leva dias fugindo, passando por todo tipo de má sorte, dando de cara com a realidade de outras mulheres e enfrentando os próprios medos pela sobrevivência de sua família.
Os problemas de Fugitiva começam quando passamos a analisar a fuga em si, momento em que as coisas descambam para o pastelão – seja isso bom ou ruim, depende do bom humor e das concessões que espectador está disposto a fazer.
Para executar seu falso sequestro e conseguir fugir das garras do marido – e dos inimigos do marido – com os filhos, a mãe e o irmão, Magda contrata dois homens bem treinados: Tobias (José Manuel Poga) e Simón (Pedro Mari Sánchez). Escapar de um marido tão poderoso e violento quanto Alejandro não é das tarefas mais fáceis, por isso o plano não poderia ser posto em ação por amadores. Assim, enquanto Alejandro viaja a negócios para a Espanha, o suposto sequestro começa a acontecer no México.
Deste ponto em diante, a narrativa se desenvolve durante as 90 horas de duração do falso sequestro, assumindo um tom um tanto quanto macarrônico. Se a lei de Murphy se aplica a alguma série, é a esta. Aqui, se algo pode dar errado, dará errado. Os personagens de Fugitiva têm uma coisa em comum: todos fazem escolhas absolutamente equivocadas – e muito pouco verossimilhantes. O tempo todo. Não estranhe se a certa altura você começar a se perguntar frequentemente por que essas pessoas estão fazendo o que estão fazendo.
Quando Magda consegue livrar-se de Alejandro com seu grupo formado por três jovens impossíveis, sua mãe já idosa, seu irmão atrapalhado e dois mercenários, um novo mundo machista e misógino cruza seu destino. Um mundo onde todos questionam sua sanidade mental e suas denúncias, e onde há também uma porção de homens querendo tirar proveito de uma mulher que foge desesperada e sem rumo certo.
Neste novo mundo, a agora fugitiva não sabe em quem confiar, é traída mais uma porção de vezes, perde as rédeas da situação e ainda precisa aturar seus filhos Paulina (Arantza Ruiz), Claudia (Luisa Rubino) e Rubén (Iván Pellicer), adolescentes mimados, insuportáveis e egoístas.
Aliás, podemos atribuir aos jovens nada empáticos uns 80% de responsabilidade sobre tudo que dá errado na trama. A porcentagem restante atribuímos a uma bizarra mistura entre decisões equivocadas por todos os lados e o surgimento do vilão psicopata, perturbado e com crise de identidade, K (Roberto Álamo). Personagem caricato completamente desnecessário, cuja reviravolta na narrativa rende uma boa dose de vergonha alheia.
Talvez o melhor elemento do campo dos absurdos seja a policial decidida a provar seu valor enquanto detetive, certa de que o caso do sequestro envolve misoginia (ódios às mulheres) de alguma maneira. Em suas aparições, a mulher carrega sempre um sorrisinho nada natural no rosto… Um sorrisinho de aparente deboche, quase que como se a série usasse a personagem para nos avisar de que ela pode até abraçar o pastelão, mas que não abre mão de transmitir a mensagem que deseja.
Fugitiva tem bons momentos. Logo na música de abertura, interpretada pela cantora espanhola Ana Guerra, a obra começa a demonstrar suas tentativas de engajamento com o tema escolhido. As sequências de ação não são ruins, muito menos a representação das várias camadas de poder de um sistema social machista diverso, mas sempre violento e opressor. No entanto, o desenvolver da fuga chega a beirar a galhofa e soa inconcebível quando opta por incontáveis situações desnecessariamente grandiosas e excessivamente estapafúrdias. Nesse contexto, a abordagem sobre violência de gênero acaba de certa forma ofuscada pelas trapalhadas dos personagens. Fica a cargo do espectador, então, decidir se quer se entregar ao novelão.
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Ficha técnica
Direção: Belén Macías
País: Espanha
Ano: 2018
Elenco: Paz Vega, José Manuel Poga, Roberto Álamo, Arantza Ruiz
Gênero: Drama
Distribuição: Netflix
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