Na última terça (23), a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou os indicados à 90ª cerimônia de entrega dos prêmios Oscar, que será realizada no dia 4 de março deste ano. Como era de se esperar, os favoritos A Forma da Água, Dunkirk, Me Chame pelo Seu Nome e Três Anúncios para um Crime conquistaram seu lugar na categoria de Melhor Filme – juntamente com O Destino de uma Nação, Corra!, Lady Bird – A Hora de Voar, Trama Fantasma e The Post – A Guerra Secreta.
Concorrendo em 13 categorias, A Forma da Água, de Guillermo del Toro, lidera como o filme com mais indicações desta edição. Já, o diretor mexicano foi indicado em Melhor Direção e tem grandes chances de levar a estatueta – del Toro venceu na mesma categoria do Globo de Ouro 2018. Greta Gerwig (Lady Bird), a única diretora deste ano, tornou-se a quinta mulher indicada em nove décadas de Oscar. Enquanto que Jordan Peele (Corra!) também marca esta edição por sua indicação: assim como Greta, o quinto homem negro a ser indicado por direção.
Seguindo a linha da representatividade, chegamos nas indicações latino-americanas. Além do México (com del Toro), o longa Uma Mulher Fantástica (de Sebastián Lelio) – uma coprodução entre Chile, Alemanha, Espanha e EUA – conquistou seu lugar em Melhor Filme Estrangeiro. Já, Rodrigo Teixeira, produtor brasileiro de Me Chame pelo Seu Nome, alcança notoriedade com as quatro indicações do drama de Luca Guadagnino. Falando em Brasil, Carlos Saldanha, diretor de O Touro Ferdinando, conseguiu uma indicação na categoria de animação – pela terceira vez, por sinal, já que outras de suas animações, A Era do Gelo e A Aventura Perdida de Scrat, haviam lhe proporcionado indicações anteriormente (de Animação, em 2003, e de Curta em Animação, em 2004).
Mesmo que a participação latina neste Oscar esteja relativamente equilibrada – afinal, temos apenas uma produção chilena e dois brasileiros nos representando –, a notável escassez de obras latinas e, ainda pior, de obras brasileiras, é algo infelizmente comum na premiação. Isso acontece, primeiramente, porque tais produções ficam em pouquíssima evidência graças ao problema da distribuição, o que afeta o mercado cinematográfico da América Latina como um todo. Seja por problemas de demanda do público, temas espinhosos no enredo, classificação etária indicativa, baixos investimentos ou apoio governamental precário, nosso cinema continental encontra-se sempre defasado em relação aos vizinhos norte-americanos e aos europeus.
Com isso, é evidente que premiações como a do Oscar, a maior do cinema mundial, deem pouca atenção aos filmes latinos. Muitas vezes, tais produções já são eliminadas da “corrida” na primeira fase. Este ano, o indicado brasileiro, Bingo – O Rei das Manhãs (Daniel Rezende), ficou fora da disputa por Filme Estrangeiro na pré-seleção, por exemplo. E, é válido lembrar que, essa categoria é a única na qual é garantido que um filme não-americano ganhe. Para as demais categorias, no entanto, as produções estrangeiras indicadas tendem a ser europeias (com o Reino Unido em destaque).
Nos últimos cinco anos, a América Latina conquistou apenas dez indicações ao Oscar –sem contar o já citado Uma Mulher Fantástica –, tendo vencido quatro delas: três por Melhor Direção, com os mexicanos Alejandro Iñárritu, em 2015 (Birdman: ou A Inesperada Virtude da Ignorância) e 2016 (O Regresso), e Alfonso Cuarón, em 2014 (Gravidade). Fica no ar a dúvida de que del Toro seguirá com a recente onda de vencedores mexicanos e levará o prêmio deste ano. Quanto ao quarto vencedor, o chileno A História de Um Urso venceu na categoria de Curta em Animação, em 2016.
As outras indicações latinas foram em Filme Estrangeiro – com o também chileno No (no Oscar de 2013), o argentino Relatos Selvagens (em 2015) e o colombiano O Abraço da Serpente (em 2016) –, Documentário em Longa-Metragem – com o brasileiro O Sal da Terra (em 2015) –, Documentário em Curta-Metragem – com o mexicano The Reaper/La Parka (no mesmo ano do anterior) – e Animação – com o também brasileiro O Menino e o Mundo (em 2016).
Inclusive, O Menino e o Mundo faz parte das seis produções inteiramente brasileiras indicadas na história do Oscar. Em Filme Estrangeiro, o Brasil foi indicado por O Pagador de Promessas (em 1963), O Quatrilho (em 1996) e O Que é Isso, Companheiro? (em 1998). Já, em 2001, Uma História de Futebol figurou na categoria de Curta-Metragem. E, em 2004, Cidade de Deus levou quatro indicações: Melhor Diretor, Roteiro Adaptado, Edição e Fotografia.
Em relação às coproduções brasileiras mais significativas (filmes produzidos através da parceria com outros países), temos Orfeu do Carnaval – vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro, em 1960 –, o diretor Hector Babenco – que foi indicado em 1986, por O Beijo da Mulher-Aranha –, a atriz Fernanda Montenegro – indicada por Central do Brasil, em 1999 –, e o documentário Lixo Extraordinário – indicado em 2011.
Em contrapartida às poucas indicações, as grandiosas produções do cinema latino-americano são lançadas aqui com uma frequência consideravelmente alta. Se você conferir a agenda de filmes de quaisquer semanas, por exemplo, com certeza vai encontrar uma dezena de longas latinos a serem lançados. Enquanto que, lá no topo das maiores bilheterias do final de semana, verá títulos estadunidenses ou, muito raramente, comédias nacionais. De certa forma, é bom que o público brasileiro dê atenção a esse gênero emergente. Mas, simultaneamente, outras produções que teriam chances em premiações – ou que até mesmo já faturaram troféus ao redor do mundo – acabam sendo deixadas de lado e, muitas vezes, são totalmente esquecidas. O grande problema disso tudo é justamente o desequilíbrio no consumo de filmes latinos, principalmente em territórios nativos.
Afinal de contas, a Academia considera, durante seus 90 anos de premiação, um fator muito importante para os votados: a repercussão de um filme; e, não somente a de um filme em questão, mas também a de todo um contexto histórico – como a campanha Time’s Up, que influenciou na decisão dos votantes de excluírem James Franco da categoria de Melhor Ator deste ano. Então, nada mais justo que, para colaborarmos com a divulgação de uma produção, passemos a assistir a mais títulos nacionais e latinos no cinema, ou que, quem sabe, divulguemos obras específicas nas redes sociais, lancemos hashtags e discutamos sobre elas em grupos virtuais ou em mesas de bar.
A indústria cinematográfica latino-americana é muito rica, mas, para transformamos nossa relação com esse cinema e fazê-lo crescer, precisamos nos alimentar cada vez mais de suas produções. Quando conseguirmos fazer isso, o Oscar pode nos olhar com maior apreço.
COMENTÁRIOS