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Piripkura e o destino dos povos originários no Brasil de Jair Bolsonaro
O ano de 2018 foi particularmente especial para a produção nacional de “documentários-denúncia” sobre conflitos contemporâneos nocivos aos povos indígenas brasileiros. Tivemos Ex-Pajé denunciando o avanço (e massacre) da evangelização compulsória sobre a cultura ancestral do povo Paiter Suruí; Como Fotografei os Yanomami, expondo o tratamento preconceituoso dado pelos agentes de saúde governamentais ao povo Yanomami; e Piripkura, filme que acompanha um pouco do trabalho de agentes da Fundação Nacional do Índio (Funai), evidenciando a importância da demarcação de terras e os danos irreversíveis já causados pelo Estado (ou por omissão dele) a essas comunidades.
Negritudes Brasileiras, de Nátaly Neri, explora o formato documentário no Youtube para falar de racismo
No último dia 12, os youtubers Nátaly Neri (do canal Afros e Afins) e Murilo Araújo (do canal Muro Pequeno) lançaram, em seus próprios canais, o fruto do trabalho que realizaram como embaixadores do programa Creators for Change, um apoio do YouTube Brasil para o fomento de produções audiovisuais que tenham impactos sociais na plataforma.
Nátaly Neri, cientista social, youtuber, militante negra e feminista, acostumada a gravar vídeos de aproximadamente 20 minutos para o Afros e Afins, produziu, dessa vez, o documentário em longa-metragem Negritudes Brasileiras, sobre colorismo e racismo estrutural no Brasil. Murilo Araújo também inovou e produziu uma série de vídeos sobre as masculinidades do homem negro.
Com a ajuda de profissionais audiovisuais do grupo Gleba do Pêssego, formado por jovens negros e LGBT+ das periferias de São Paulo, Neri tocou seu projeto: um filme didático, rico em informações, visualmente harmônico e que conversa não somente com a história do Brasil e nossa formação enquanto nação, mas também com questões identitárias que ainda hoje são entraves sociais.
Em Negritudes Brasileiras, mulheres e especialistas negros dão depoimentos sobre suas vivências e compartilham conhecimento com imensa generosidade. O filme abre com falas de mulheres sobre suas aparências físicas. Depois, ele se preocupa em explicar como as questões raciais se estabelecem no Brasil, desde o período da escravidão, passando pela miscigenação ligada à valoração do embranquecimento, colorismo e construção de identidades ao longo da história do país, até chegar no mito da democracia racial, na pluralidade da negritude e das vivências do que é ser negro no Brasil de hoje.
O protagonismo dos relatos femininos no filme obviamente tem muito a ver com o posicionamento político essencialmente feminista da idealizadora, mas também é fundamental para que o filme alcance níveis de discussões que só as experiências dessas mulheres negras, representantes da camada mais vulnerável da sociedade, são capazes de acessar.
Em sua conta no Twitter, Nátaly Neri agradeceu pelo carinho das pessoas que elogiavam o filme e falou um pouco sobre sua primeira experiência como realizadora de um longa-metragem. “Foi a experiência mais intensa, enriquecedora, exaustiva, brilhante e dolorosa da minha vida na internet e no ativismo”, desabafou. E completou dizendo: “esse documentário é uma grande fala em primeira pessoa, de nós, para nós mesmos, sobre nós. Estou feliz com todas as devolutivas de vocês”.
(Fonte: Afros e Afins / YouTube)
O documentário também impressiona pelo seu cuidado estético. Todos os elementos postos em cena conversam, de alguma forma, com o tema proposto e com a personalidade da idealizadora; desde as roupas dos entrevistados até a ambientação feita por cenários simples, mas funcionais e bonitos. Para os que acompanham o trabalho da youtuber, fica nítida a preocupação que ela teve em transferir sua essência à nova empreitada.
São muitas as qualidades de Negritudes Brasileiras, mas ele é, antes de mais nada, um filme autoral, fundamental e redondo. Neri e os jovens da Gleba do Pêssego trabalharam com primor e realizaram um filme único, equilibrando conteúdos, sendo flexíveis num formato que cai bem tanto numa tela de cinema quanto numa reprodução do YouTube, passando a mensagem de forma clara, prezando pela estética e deixando até uma bibliografia no final dos créditos.
Se você ainda não assistiu ao documentário, corra para o YouTube. Em um momento de retrocessos como o que o Brasil vive hoje, a pluralidade de narrativas e os refrescos de formatos incentivados por um programa como o Creators for Change são absolutamente necessários. Negritudes Brasileiras é conteúdo de extrema qualidade, e está disponível gratuitamente.
Leia também: Juily Manghirmalani, co-diretora da paródia de ‘Vai Malandra’, fala sobre audiovisual, feminismo e YouTube
Ficha técnica
Idealização: Nátaly Neri
Duração: 58 min
País: Brasil
Ano: 2018
Gênero: Documentário
Distribuição: YouTube Brasil
[Estreia] Excelentíssimos, sobre o impeachment de Dilma Rousseff, é didático e toma partido
Camocim: a dualidade política do interior do Brasil sob o olhar engajado de uma jovem
Camocim de São Félix é uma pequena cidade do interior de Pernambuco, habitada por aproximadamente 18 mil brasileiros. Ali, a atmosfera pacata dura somente até a chegada dos períodos de eleição, quando a cidade se divide em duas, como torcidas de futebol em dia de jogo. Nessa época, a maioria das pessoas deixa a racionalidade de lado para disputar os conceitos de certo e errado.
Ameaçados, de Julia Mariano, aborda violações dos direitos humanos no Pará
, curta-metragem documental que aborda violações de direitos humanos no campo e trata da questão da terra como espaço de disputa entre camponeses menos favorecidos socialmente e abandonados pelo Estado e o poder de pecuaristas, mineradoras e madeireiras.
[Estreia] Histórias que o nosso cinema (não) contava
primeiro longa-metragem da diretora Fernanda Pessoa. O documentário faz uma releitura histórica da década de 70 a partir de fragmentos das famosas pornochanchadas (filmes de baixo orçamento que misturavam humor e erotismo), gênero cinematográfico nacional mais produzido e assistido na época, e hoje um dos mais rechaçados do cinema brasileiro.
[Estreia] Como Fotografei os Yanomami
Depois de passar pela programação do 13º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, =&0=&, de Otávio Cury, chegou ao circuito comercial de cinemas nesta quinta (9), Dia Internacional dos Povos Indígenas.
O documentário nasceu de uma viagem feita pelo diretor em 2013. Na época, ele foi até a Serra de Surucucu, em Roraima, região de montanhas que fazem divisa com a Venezuela. Ali, Cury teve contato com a terra Yanomami e os conflitos que existem entre as tradições indígenas daquele povo e as presunçosas interações do homem branco, representado por despreparados agentes de saúde.
Da visita surgiu a vontade de retratar como o conceito de saúde do povo Yanomami, atrelado à sua cultura, entra em conflito, no dia-a-dia, com a saúde moderna imposta de forma completamente descuidada pelo governo brasileiro.
Ao decidir contar essa história em vídeo, Otávio Cury esbarra também em um dilema: como fazer um filme sobre saúde Yanomami se, para esse povo, saúde e bem-estar são aspectos intimamente relacionados à imagem? Para eles, uma foto simboliza um pedaço de alma eternizado. Assim, quando em mãos erradas, as imagens podem condená-los a vulnerabilidade. Além disso, os Yanomami acreditam que o indivíduo fotografado nunca morreria em paz se parte dele ainda estivesse materializada de alguma forma.
Para superar o impasse, o diretor faz uso do material que consegue. Traz a fala de alguns poucos indígenas menos agarrados às tradições, usufrui da vontade de dar entrevista dos agentes de saúde, que se consideram heróis por ficarem meses na floresta “cuidando de gente esquisita”, recupera imagens da internet gravadas pelos próprios nativos e recorre ao uso de letreiros para apresentar a visão de mundo do xamã Davi Kopenawa, a partir de passagens do livro “A queda do céu, memórias de um xamã yanomami”.
Em nenhum momento o filme chega a direcionar suas críticas a pessoas específicas. Pelo contrário, ele parte de personagens para tratar do coletivo, quando as discussões são todas postas sobre a mesa. Ao trazer as falas carregadas de preconceitos dos agentes de saúde, pessoas simples, funcionárias públicas, o longa destrincha a problemática em camadas e nos convida a pensar sobre o todo.
Num primeiro momento, salta aos olhos a falta de empatia diante do que é diferente. Todos os agentes de saúde começam suas falas dizendo que respeitam a cultura Yanomami e terminam entregando um pouco (ou muito) de seu estranhamento e intolerância. Um dos entrevistados afirma, por exemplo, que entende que indígenas tenham suas crenças, mas que, às vezes, ele mesmo batiza as crianças indígenas por acreditar que isso seja bom para elas.
Dessa forma, Cury parte da intolerância de pessoas que convivem diretamente com o povo Yanomami para chegar às esferas de poder negligentes do Estado. Nesse cenário, os agentes de saúde ocupam duas pontas do problema: de um lado, são profissionais que ganham pouco, passam meses na floresta sem estrutura e sem nenhum tipo de formação sobre a cultura do outro. Por outro lado, são figuras que, narrativamente, servem para demonstrar que nós, enquanto sociedade, somos absolutamente ignorantes e desrespeitosos. Esses agentes fazem a ponte entre as “parcelas de culpa” da população e do Estado.
A certa altura, o diretor abandona um pouco o seu lugar de alguém que apenas registra para sobrepor as imagens de indígenas rezando, como cristãos, na inauguração de uma unidade de saúde, com o hino nacional brasileiro como trilha. Nessa rápida passagem da montagem é revelada a hipocrisia de uma nação que se gaba de seus verdes campos, enquanto vende a alma para o agronegócio.
De acordo com reportagem do jornal El País, desde 2013 registra-se uma volta em massa de garimpeiros às terras demarcadas do povo Yanomami; e, em abril deste ano, o líder Davi Kopenawa foi à ONU, acompanhado da coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, para entregar ao órgão uma carta, assinada por 30 organizações indígenas brasileiras.
No documento, as organizações fazem denúncias sobre a atual situação da saúde dos seus povos, os ataques vividos por eles e as mudanças na Fundação Nacional do Índio (FUNAI) feitas pelo governo de Michel Temer. “Estamos tomando água suja, poluída de mercúrio. Isso significa que o povo Yanomami vai sumir”, declarou Kopenawa em entrevista ao jornal, onde também denunciou a falta de estrutura para conter surtos de malária que chegaram na região por conta da proximidade com a Venezuela.
Como Fotografei os Yanomami
Estreia: ‘Chega de Fiu Fiu’ mostra por que o feminismo é tão necessário
Após quatro anos de produção, o documentário brasileiro Chega de Fiu Fiu, inspirado na campanha de combate ao assédio da ONG Think Olga, teve sua primeira sessão de exibição em São Paulo, na última terça (15). Previsto para entrar em circuito comercial, o longa-metragem – que só foi possível graças à arrecadação de mais de 1200 contribuintes no site do Catarse – conta com diversas entrevistas e três personagens principais: Teresa Chaves, de São Paulo (SP), Rosa Luz, de Brasília (DF), e Raquel Carvalho, de Salvador (BA).
Pensado para ser um curta-metragem, o crowdfunding do documentário teve início no final de 2014 e se encerrou no começo de 2015, triplicando a meta de produção. Devido ao sucesso da campanha, as diretoras Amanda Kamanchek Lemos e Fernanda Frazão puderam trabalhar em um longa sobre o assédio sexual em espaços públicos.
Chega de Fiu Fiu é, acima de tudo, uma ferramenta de estudo sobre a dinâmica feminina em centros urbanos. Além de filmar o dia a dia de três mulheres completamente diferentes – uma jovem transexual e periférica, uma professora de História de classe média e uma estudante pertencente a todos os grupos oprimidos (negra, gorda, nordestina, pobre e casada com uma mulher) –, o filme destaca o discurso de especialistas no assunto.
Há momentos especiais em que a prática da documentação é levada ao extremo; enquanto assistimos a um grupo de homens discutindo a questão do assédio, presenciamos, através de óculos com microcâmeras, as protagonistas serem vítimas de abuso em plena luz do dia. Dentro de ônibus, vagões, a pé, de bicicleta, sentadas ou correndo…nos deparamos, em peso, com a cruel realidade dessas – e de todas as – mulheres.
Até mesmo para quem vive o assédio sexual diariamente, enxergar com os olhos de Raquel, Teresa e Rosa, mesmo que por alguns minutos, é chocante. É terrível saber que Teresa opta por não usar uma saia confortável ao andar de bicicleta pela cidade. É nauseante ter de acompanhar o percurso que Rosa faz da faculdade até sua casa, no meio de um matagal deserto e já escurecido pela noite. E é devastador saber que Raquel sorri para seus assediadores, todos os dias, com medo de que lhe façam algum mal por raiva.
Segundo uma pesquisa realizada pela Think Olga em 2013, de 7762 mulheres, 99,6% afirmam já terem sido assediadas. Da quase totalidade de participantes vítimas de assédio, 83% dizem não gostar de receber cantadas. Isso indica a urgência de um sistema de ensino que priorize a educação de gênero em nosso país. Ao mesmo tempo em que temos homens abusivos em situações de poder, temos mulheres sequer conscientes de seu próprio direito ao espaço público.
Através da fala de profissionais, vamos a fundo na história da urbanização e de como as cidades, do modo que as conhecemos hoje, se transformaram em locais de imposição dos homens sobre as mulheres. Enquanto andamos de cabeça baixa, o sexo masculino sente-se livre ficar sem camisa, vestir shorts curtos ou assobiar para uma de nós. Uma simples buzinada pode ter um significado completamente diferente para os dois gêneros; como a sinalização de um mero conhecido ou uma tentativa de abuso.
Chega de Fiu Fiu (o filme) instiga, informa, ensina e educa. Nossa sociedade precisa estar à par de que assédio é o oposto de cantada, e de que é, sim, possível fazer uma denúncia mediante diferentes tipos de constrangimento sexual. Consentimento é somente o que falta para alguém ser assediado. Assim, daremos um pequeno passo dentro da luta pela equidade entre os gêneros, para, futuramente, conseguirmos lançar pautas tão ou mais urgentes do que a proposta pelo filme.
Trailer original:
(Fonte: YouTube / Think Olga)
Ficha técnica
Ano: 2018
Duração: 1h13
Direção: Amanda Kamanchek, Fernanda Frazão
Elenco: Rosa Luz, Raquel Carvalho, Teresa Chaves
Produtora(s): Think Olga, Brodagem Filmes
Gênero: Documentário
País: Brasil
*Próximas exibições de Chega de Fiu Fiu
Sessão especial em São Paulo
CineSesc, 23 de maio, quarta-feira, às 21h.
Seguida de debate com as diretoras do filme e Think Olga.
* Entrada gratuita | ingressos distribuídos 1h antes da sessão. Capacidade da sala: 273 lugares.
Classificação indicativa: livre.
Sessão especial em Brasília
Cine Brasília, 27 de maio, domingo, às 11h.
Bate-papo com a diretora do filme Amanda Kamanchek; a artista visual e personagem do filme Rosa Luz; Jaqueline Fernandes, Subsecretária de Cidadania e Diversidade Cultural e representante do Coturno de Vênus (Associação Lésbica Feminista de Brasília); e de Luana Ferreira, representante da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras.
* Entrada gratuita; ingressos distribuídos 1h antes da sessão.
Classificação indicativa: livre.
Sessão especial em Cachoeira (BA)
Encerramento do Festival MAR – Mulher, Ativismo e Realização. Orla da Praia da Faceira – Cachoeira (BA), 20 de maio, domingo, às 19h30.
Bate-papo aberto com as diretoras do filme Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão, e com Raquel Carvalho, estudante de enfermagem e personagem do filme.
* Entrada aberta e gratuita.
(Algumas sessões previstas mediante quórum de 60% do público:)
Sessão especial em Porto Alegre
• 22/5, 19h – Espaço Itaú POA.
Sessão especial no Rio de Janeiro
• 22/5, 19h –
Espaço Itaú Botafogo/Rio