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Crítica: Mãe Só Tem Duas (Netflix)
O Despertar das Formigas e as revoluções internas das mulheres
Leila, série original Netflix, tenta ser uma espécie de The Handmaid’s Tale indiana
Mesmo com Tanta Agonia
Roma: cinema latino-americano, protagonismo feminino e luta de classes
[Estreia] Com Karine Teles, Benzinho é um dos melhores filmes nacionais do ano

Se você assistiu ao ótimo Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert, com certeza se lembrará de Bárbara (Karine Teles) – a patroa hipócrita e elitista da protagonista Val (Regina Casé). Agora, visualize a personagem de Casé sendo interpretada por, ninguém menos que, Karine Teles. Difícil, não é? A atuação excelente de Teles no longa-metragem de Muylaert consagrou a atriz dentro do cenário audiovisual brasileiro.
Desta vez, Teles retorna em um papel de bastante destaque, na pele de uma personagem que é o oposto da cruel Bárbara. Em Benzinho, que estreou nesta quinta (23) nos cinemas, a protagonista é Irene – uma mulher comum, e que rouba completamente a cena. Mãe do adolescente Fernando (Konstantinos Sarris), do menino Rodrigo (Luan Teles) e do par de gêmeos caçulas, Fabiano (Arthur Teles Pizzi) e Matheus (Francisco Teles Pizzi), Irene é doce e extremamente forte; tendo sempre de segurar a barra que é educar quatro meninos.
No filme de Gustavo Pizzi, quando Fernando, o filho mais velho, é convidado para jogar handebol na Alemanha, a vida de Irene vira de cabeça para baixo. Afinal, isso significa não somente que os pais terão de cobrir todos os custos da viagem, como também que uma mãe terá de deixar o filho adolescente ir embora de casa. Assim, a família, da qual também fazem parte o pai Klaus (Otávio Müller) e a tia Sônia (Adriana Esteves), tem de repensar as finanças e toda a dinâmica espacial.
Por falar em filhos, e caso você não tenha prestado atenção no sobrenome de alguns dos atores, Arthur e Francisco, os gêmeos da produção, são filhos biológicos da estrela e do diretor do filme; que, aliás, também dividiram um casamento e a escrita do roteiro. Quanto a Luan Teles, que interpreta o filho do meio, este é sobrinho de Karine (Teles).
Sobre – e feito em – família, o plano inicial de Pizzi (diretor) não era o de trazer seus parentes para a frente das câmeras. No entanto, a insistência de Luan e, posteriormente, de seus filhos, forçou o diretor a admitir o talento do trio mirim. “Foi um processo longo de ensaios. Eu era o primeiro a dizer não, ‘não vamos botar os nossos parentes porque…não dá. Tem que ser muito bom para estar lá.’ E, aí, a gente foi vendo que, realmente, eles eram as melhores opções para esse filme”, conta o diretor, em coletiva de imprensa em São Paulo.
“Uma das coisas mais importantes desse resultado [da escalação de elenco] foi a preparação [dos atores] que aconteceu. Primeiro, claro, a gente convidou, e teve a honra e a alegria absurda de o Otávio (Müller) e a Adriana (Esteves) aceitarem; que são atores gigantescos”, relembra (Karine) Teles. Por mais brilhantes que todas as atuações sejam, a Irene de Teles é o grande destaque da produção. Os momentos de fragilidade ou de força da protagonista demonstram muito bem a potência que a atriz – emergente – carrega.
Por vezes, é comum nos depararmos com o seguinte pensamento: “agora eu entendo a minha mãe”. Alguns sentimentos de Irene, por mais reprimidos e incorretos que sejam, são totalmente compreensíveis. Aquela mulher, mãe de quatro filhos, e que dedicou a vida a criá-los com muito amor e carinho, se vê sem norte quando descobre que o primogênito irá partir. “Eu não vou voltar”, Fernando faz questão de frisar à família. E, juntamente com Irene, nossos corações se partem com a possibilidade de separação definitiva.
O trabalho de som em Benzinho atua como uma espécie de facilitador entre o público e a história. Isso significa que, tudo aquilo que não é dito em palavras, principalmente pela personagem de Teles, fica exposto pela combinação entre seus olhares e o som ambiente da casa – uma locação em Petrópolis (RJ).
“Além da coisa técnica, é uma coisa narrativa de como contar essa história. O som conta muito essa história. Desde o roteiro, a gente já sabia que, em alguns momentos, teria uma coisa [que iria] mais para um lado [focado na sonoridade]”, revela Pizzi. No que Teles complementa, “eu acho que, agora, a gente está começando a ver mais, nos filmes brasileiros, esse som mais ‘sujo’. Porque o som da televisão é um som limpíssimo. As pessoas estão em uma boate, dançando, e você escuta tudo o que elas falam normalmente. E, se vocês prestarem atenção, aqui [em Benzinho], o som é muito redondo”.
De fato, é evidente que cada detalhe da construção sonora foi muito bem pensado. Benzinho parece ser um filme sem falhas, tanto na parte técnica quanto na artística. A universalidade de sua trama conquistou públicos em diversos países ao redor do mundo, como no Festival de Sundance, em Utah (EUA). Assim, Pizzi e Teles consagram-se como nomes de peso no cinema nacional.
Ficha técnica
Direção: Gustavo Pizzi
Duração: 1h35
País: Brasil
Ano: 2018
Elenco: Karine Teles, Otávio Müller, Adriana Esteves, Konstantinos Sarris
Gênero: Drama
Distribuição: Vitrine Filmes
5 motivos por que The Handmaid’s Tale é a série do momento

ATENÇÃO: Pode conter spoilers!
Lançada pela plataforma de streaming Hulu – ainda inédita no Brasil –, e exibida na televisão daqui pela Paramount Channel, The Handmaid’s Tale é uma das séries mais assistidas e comentadas da atualidade. Isso se dá, em grande parte, graças ao ganho de quatro prêmios Emmy no ano passado (de Melhor Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro e Série Dramática).
Ambientada em uma sociedade totalitária e, consequentemente, distópica, a produção (inspirada no romance de Margaret Atwood e com duas temporadas completas) se passa em um futuro próximo e conta a história de uma aia – classe social empregada a mulheres consideradas imorais pela República de Gilead, e, por isso, escravizadas doméstica e sexualmente. Dessa forma, a cruel rotina de June (Elisabeth Moss), chamada de Offred pelos integrantes da casa-cativeiro “de luxo” em que é mantida, tem chamado a atenção da crítica especializada pela crueza e alta qualidade técnica com a qual é retratada.
Desde a primeira temporada, The Handmaid’s é tão bela visualmente quanto terrível em sua narrativa. E, a partir do mundo trágico em que June vive, assistir a essa série tão poderosa e brilhante é uma experiência enriquecedora. Leia alguns dos motivos para isso abaixo!
1. O principal ponto de vista é feminino
Além da narração de June em momentos-chave, todas as protagonistas da produção são mulheres. Paralelamente à história da personagem de Moss, temos Emily (Alexis Bledel), uma mulher lésbica e ex-professora, que também se tornou uma escrava de Gilead. Por fora, vemos pessoas obedientes e inexpressivas; por dentro, através de momentos de desabafo e narrações em off (somente a voz), deparamo-nos com mulheres extremamente sofridas e enraivecidas por sua condição degradante.
Outra forte figura da série é Moira (Samira Wiley), uma ex-aia refugiada no Canadá, que representa o grupo de pessoas reais que deixam seus países – para não serem mortas ou torturadas. Assim como June e Emily, Moira fora estuprada, e, posteriormente, optou pela prostituição como modo de fugir dos abusos submetidos às aias.
Quanto ao lado vilanesco de The Handmaid’s, ficamos com a desumana Serena (Yvonne Strzechowski) – esposa do Comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) e que, junto com ele, é a principal responsável pelos abusos contra June –, assim como a devota chefe das aias, chamada de Tia Lydia (Ann Dowd) pelos cidadãos do regime.
2. Diferente de inúmeras outras séries, não fetichiza a violência contra a mulher
[Coluna] mãe! – amor vs. ódio pelo filme de Darren Aronofsky

mãe! (em letra minúscula mesmo) estreou em setembro de 2017, dividindo grande parte da crítica especializada e do público. Com aprovação de 69% da crítica e exatos 50% dos espectadores no site Rotten Tomatoes, o longa-metragem do cultuado Darren Aronofsky (Réquiem para um Sonho, Cisne Negro) é uma grande alegoria sobre passagens marcantes da Bíblia.
Com personagens sem nome (em cena), um cenário propositalmente limitado e atuações viscerais – de Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Michelle Pfeiffer e Ed Harris –, mãe! conta a história de um casal que vive em uma casa afastada de qualquer outro traço de civilização; e que, após receber a visita inusitada de um casal mais velho, tem sua vida alterada para sempre.
A cena de introdução já intriga os espectadores: o rosto de uma mulher jovem, em meio a um misterioso incêndio ao fundo. De repente, há um brusco corte e o personagem de Bardem aparece segurando uma pedra de cristal. Mais um corte, e as cinzas do incêndio reconstituem-se em um sobrado de cores claras.
A protagonista (Lawrence) desperta, então, de um sono tranquilo, e logo chama pelo marido (o próprio personagem de Bardem). A ausência de trilha sonora, ao mesmo tempo em que permite a máxima contemplação de sons comuns a uma residência isolada, deixa-nos tensos com o suspense interminável. Pode-se dizer que há três atos em mãe!: um início assustador, um meio absurdo e um final te-ne-bro-so (principalmente aos amantes da produção, e no melhor sentido possível, diga-se de passagem).
A temática do feminismo é a primeira a ser entregue de acordo com o andamento da narrativa. Além das histórias cristãs, a questão do ambientalismo também dá as caras no longa-metragem. Representada segundo uma figura feminina, a Mãe Natureza fora sempre violentada por nossas guerras, desuniões e excessos, em geral. Distante da necessidade de sobrevivência dos seres humanos, ela (a natureza) é negligenciada e aloprada por nossa espécie, tão (auto)destrutiva.
Ao mesmo tempo em que idolatramos figuras místicas, temos o mínimo cuidado possível para com nossa morada compartilhada: o planeta Terra. Segundo o principal livro sagrado cristão, a Humanidade fora originada com a chegada de Adão, o primeiro homem, e Eva, a primeira mulher, ao Jardim do Éden. Depois que Eva, advinda de uma costela de Adão, come o fruto proibido, tudo começa a desandar no Paraíso. E, a partir da famosa história, mãe! constrói sua primeira metade.
Graças à cinematografia essencialmente metafórica e expositiva do filme, sua interpretação positiva chega a ser tão relevante quanto a negativa. mãe! divide o público justamente pelo ineditismo com o qual nos atinge. Todas as pessoas são livres e têm o direito de acharem o que quiser sobre a produção de Aronofsky, mas o interesse que o filme despertou é inegável – e sem ter de ofender grupos sociais oprimidos para ocasionar discussões, como muitas histórias infelizmente ainda fazem.
Talvez, essa constatação seja um dos principais pontos para não invalidar a obra em questão. A violência do longa-metragem não é nada recente no cinema, por mais explícita que seja – e, ainda assim, é consideravelmente criticada por parte do público. Mas, para além do choque proposto pelo diretor, as reflexões discutidas em mãe! são bastante válidas.
O personagem de Bardem, por exemplo, é
um retrato digno de todos os defeitos da supremacia cristã na História
[Crítica] O Vazio do Domingo: uma representação brutalmente poética da maternidade
O lugar que a Netflix ocupa hoje no cinema mundial, como serviço de streaming, é uma discussão que abrange várias frentes e vai longe. Uma das características inegáveis da empresa, entretanto, é o fato de que ela tem atuado quase que como socorrista de projetos “em perigo”.
4 filmes conceituados sobre mães da ‘vida real’

A maternidade é tema recorrente em filmes de comédia e até mesmo de terror. Títulos que englobam as desventuras de “mães faz-tudo”, sobre mulheres bem-sucedidas e igualmente surtadas, chamam a atenção pelo humor e falso retrato da realidade.
Plano B, Não Sei Como Ela Consegue, Perfeita é a Mãe, Uma Mãe em Apuros…todas essas produções mostram a condição feminina de maneiras distintamente exageradas: ora como mulheres incríveis e polivalentes, ora como irresponsáveis e rebeldes. Enquanto isso, filmes como O Bebê de Rosemary, A Mão Que Balança o Berço, Carrie, A Estranha, Mama e O Chamado trazem mães atormentadas e/ou diabólicas.
Recentemente, o lançamento de Tully, sobre as imperfeições da maternidade, trouxe às telas uma discussão bastante necessária: a representatividade realista da figura materna. Assim, nos esforçamos para pensar em outros longas-metragens que lidem com o tema de maneira responsável. Como são poucos, seu apontamento e enaltecimento é importantíssimo – não somente à sétima arte, mas também à representação de gênero. Confira, abaixo, 4 filmes conceituados sobre mães da vida real:
Olmo e A Gaivota (2014)
Dirigido por Petra Costa (Elena) e Lea Glob, Olmo e A Gaivota explora as sutilezas do limite entre documentário e ficção. Olivia (Olivia Corsini) e Serge (Serge Nicolaï) são um casal de atores que vive na França. Quando uma nova montagem de A Gaivota, peça do renomado dramaturgo russo Anton Tchekhov, começa a ser produzida pelo grupo de teatro do casal, Olivia descobre estar grávida.
A partir daí, a atriz tem de lidar com as dificuldades comuns da gravidez (aumento de peso, sensibilidade extrema, desconforto físico e etc.), e com o fato de não poder deixar seu apartamento durante nove meses – em um prédio sem elevador, e considerando os riscos à própria gestação. Assim, Olivia sofre com sua nova realidade e com o tratamento social dado a uma mulher grávida.
Olmo e A Gaivota é, antes de mais nada, um apelo das diretoras ao papel aplicado às gestantes pelo senso comum. Gravidez não é doença, mas também não é um “mar de rosas”. A mulher sempre sentirá a pressão em ser feliz com o futuro bebê – mesmo que sofra de dores constantes ou sinta medo do próprio futuro. Uma vez mãe, sempre mãe. E o ganho de uma nova identidade desperta um tipo de ansiedade muito específico. Afinal, além de uma nova vida depender exclusivamente de seus cuidados, a sua própria terá novas prioridades.
A coprodução entre Brasil, França, Suécia e Portugal ganhou o prêmio de Melhor Longa-Metragem de Documentário no Festival do Rio 2015, e está disponível na Globosat Play.
Trailer legendado