Leila, série original Netflix, tenta ser uma espécie de The Handmaid’s Tale indiana

A comparação é inevitável: Leila, série original Netflix que estreou no último dia 14, traz muitos dos elementos marcantes de The Handmaid’s Tale, sucesso da plataforma Hulu. Ambientada em uma Índia distópica, no ano de 2047, a produção  retrata uma sociedade autoritária, militarizada, fundamentalista, tecnológica, eugenista e com aparente limitação de recursos naturais. Nela, mulheres devem ser submissas, destinadas apenas às atividades domésticas e à reprodução, e as liberdades individuais de todos são reprimidas.

A Índia passa a ser chamada de Aryavarta e liderada por Dr Joshi. Grandes muralhas dividem o território por setores, e cada setor possui um tipo de comunidade baseada em castas. Para além das muralhas ficam os miseráveis impuros, impedidos de consumir água pura à vontade. Nesse universo a segregação por muros já aconteceu, o medo é permanente e a realidade é catastrófica e truculenta.

‘Leila’ / Divulgação

Quando Aryavarta começa a radicalizar suas políticas de purificação da sociedade, crianças mestiças são levadas de suas famílias. É esse o ponto de partida para o drama da protagonista Shalini (Huma Qureshi), esposa de um muçulmano, mãe de Leila (Leysha Mange) e mulher de classe média alta.

Denunciada ao Estado por ter se casado com um homem que não pertence à mesma casta que ela e, consequentemente, ter uma filha mestiça, Shalini vê sua casa ser invadida violentamente. Na ocasião, seu marido é morto, enquanto ela se perde da filha e é levada para um centro de mulheres que precisam se purificar de pecados.

Assim, uma mulher que antes vivia confortavelmente e cheia de privilégios tem sua vida destruída ao ser jogada para dentro das engrenagens de um sistema misógino, tirano, violento e hipócrita. Mudam-se os grupos no poder, mas a desigualdade, as injustiças sociais e os abusos seguem sendo alicerce da sociedade.

Imagem: divulgação

A série, que é baseada no livro homônimo do romancista e jornalista Prayaag Akbar e dirigida por Deepa Mehta, pega carona no sucesso da recente leva de distopias que tratam do papel da mulher na sociedade. Mas diferente de The Handmaid’s Tale, Leila não dedica muito espaço para explicar como o regime autoritário se instaurou ou como as mulheres, em específico, ficaram vulneráveis a ele. Em vez disso, a narrativa prioriza os infortúnios de uma mãe que busca desesperadamente pela filha.

Através de flashbacks vemos como Shalini vivia no início de Aryavarta e como se davam as contradições sociais antes da ditadura de Dr Joshi. Já no tempo presente da narrativa, acompanhamos a adaptação da protagonista a nova realidade, bem como seu desejo crescente de, custe o que custar, reencontrar a pequena Leila – estrutura narrativa que também tem muito em comum com de The Handmaid’s Tale, mas que, como dito anteriormente, conduz determinados arcos com prioridades diferentes da série norte-americana.

A interação de Shalini com outras mulheres é um ponto frágil da série. Exceto pela parceria improvável com uma garotinha em um dos episódios, a protagonista encontra mais do que podemos chamar de apoio em Bhanu (Siddharth), um dos membros da resistência que luta contra o regime, do que em seu cotidiano repleto de mulheres que estão na mesma situação que ela, mas que parecem muito mais conformadas.

‘Leila’/ Divulgação

Em Leila não há mulheres organizando resistências, se rebelando ou em conflito de ideias. Há mulheres tentando sobreviver, cada uma dentro de seus contextos e possibilidades. O coletivo, portanto, fica negligenciado. Vemos como as mulheres são maltratadas, humilhadas e oprimidas pelas políticas autoritárias do poder masculino, mas o foco da trama é sempre o reencontro entre Shalini e Leila.

Às vezes, entender as esferas de poder de Aryavarta ou como estão divididas as comunidades demanda um pouco mais de atenção, porque tudo é dado com pressa para que a produção possa voltar ao enredo principal. De qualquer maneira, Leila realiza com eficiência o básico de uma distopia, tratando de tensões sociais que já existem no presente e levando-as a condições extremas no futuro em tom de crítica.

A primeira temporada da série (com 6 episódios de aproximadamente 40 minutos cada) funciona bem como introdução a um novo universo distópico e aos  personagens, mas termina rápido demais e deixa muitas questões em aberto. É bem provável que haja segunda temporada, basta saber, nesse caso, se uma continuação seguiria focando na individualidade de Shalini ou se a produção se dedicaria a conseguir retratar melhor as entranhas de um futuro cujo sistema político extremista e controlador produz poucos vencedores e muita repressão.

Trailer:

(Fonte: Netflix Brasil/ YouTube)

Ficha técnica

Criação: Urmi Juvekar

País: Índia

Ano: 2019

Elenco: Huma Qureshi, Rahul Khanna, Siddharth

Gênero: Drama, Distopia

Distribuição: Netflix

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