Tendo estreado nos cinemas brasileiros em abril deste ano, Los Silencios, longa-metragem escrito e dirigido pela brasileira Beatriz Seigner, trata de uma realidade permanente, e por vezes acentuada, na América Latina: os deslocamentos.
Na trama, a protagonista Amparo (Marleyda Soto) é uma mulher humilde e mãe de dois filhos. Ela acredita ter perdido o marido (Enrique Diaz) para a violência e, por isso, está fugindo dos conflitos armados da Colômbia para proteger as crianças.
Assim que chega a uma pequena ilha na Amazônia, na região da tríplice fronteira de Colômbia, Peru e Brasil, Amparo enfrenta percalços para se instalar, conseguir asilo do governo brasileiro, arrumar um emprego e transformar uma cabana em lar.
O drama, que agora está disponível para aluguel e compra no Looke, Google Play e Now, é resultado de uma coprodução entre Brasil, Colômbia e França. Nele, a diretora mistura realismo e sobrenatural para criar uma atmosfera que vai do documental ao poético e extraordinário.
Ao final, fica a sensação de suspensão, criada tanto pelo desconhecimento do futuro como pelos detalhes e revelações próprios dos gêneros que lidam com o desconhecido. Torna-se impossível, portanto, não querer assistir a Los Silencios mais de uma vez, para absorver todas as suas particularidades.
OS FANTASMAS LATINO-AMERICANOS
No filme, fantasmas são literais e metafóricos. Eles surgem nas entranhas dos silêncios da jornada da protagonista, da ausência do que dizer para manifestar o que se sente.
O deslocamento de Amparo, permeado por luto, violências, incertezas e vulnerabilidades sociais, é doloroso; ao fugir, ela é obrigada a deixar muita coisa para trás, sem saber o que encontrará à frente.
No dia a dia, tentando estabelecer alguma rotina de normalidade, a personagem é confrontada a todo momento pela memória dos que foram e pelas necessidades dos que ficaram. Passado e futuro são, assim, pesos determinantes para moldar seu presente.
Tal como é mostrado na obra, vários são os fantasmas da América Latina. As condições econômicas, sociais e políticas da região, bem como seus mortos e desaparecidos, assombram uma parcela significativa da população. Desigualdades, conflitos, exploração, abandono e injustiça geram movimentações forçadas de indivíduos e fazem mais vítimas todos os dias.
PROTAGONISMO FEMININO
Los Silencios é também um filme essencialmente feminino. Primeiro, porque a equipe que trabalhou no projeto foi formada majoritariamente por mulheres. Segundo, porque enquanto Amparo representa milhões de mulheres que, por inúmeras razões, tornam-se chefes de família e precisam cuidar sozinhas dos filhos, sua filha Nuria (María Paula Tabares Peña) simboliza a infância desnorteada.
Aqui, conflitos armados e violência gráfica nunca são postos em tela, mas suas consequências são sentidas diretamente na vida das personagens. Assim, maternidade, infância e luta pela sobrevivência assumem o centro temático da obra.
A trajetória de Amparo se cruza com a de muitas outras mulheres e abre espaço para a representação da solidão da mulher mãe deslocada, que necessita buscar refúgio para cuidar do que lhe restou de família, sem sequer ter o corpo daqueles que foram assassinados para velar.
FOTOGRAFIA
É no visual que o realismo e o fantástico se encontram com maior potência no longa. A fotografia de Sofia Oggioni e a direção de arte de Marcela Gómez criam o contraste ideal entre a crueza da realidade e os mistérios daquilo que não pode ser compreendido.
Por vezes, cenas com pouca iluminação envolvem o cotidiano de Amparo, vitimado por diferentes manifestações de violência. Em outras ocasiões, cores neon acenam para algo de místico e alegórico. A protagonista lida, o tempo todo, com o material e o imaterial, projetados nos aspectos mais corriqueiros de sua rotina. É assim que o filme alcança camadas mais subjetivas para tratar de estados de dúvida.
Amparo, a comunidade da ilha e os desaparecidos da Colômbia (mortos ou não) vivem, afinal, numa constante condição de não-lugar, de não-pertencimento, de inconstância. São indivíduos em transição – da vida para a morte, de um país para outro, de uma casa para outra.
Los Silencios pode ser considerado um filme brasileiro sobre fantasmas, sem dúvidas; mas ele não passa pelo terror. Em vez disso, entrega, aos poucos, peças para que o espectador entenda por si mesmo onde o enredo deseja chegar. A trajetória do suspense é construída com paciência, e o sobrenatural opera a favor de um drama social inebriante e desafiador. Fica para os últimos minutos a surpresa de um filme que se mostra mais de gênero do que poderíamos imaginar.
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Trailer:
Ficha Técnica:
Direção: Beatriz Seigner
Duração: 1h29
País: Brasil, Colômbia, França
Ano: 2019
Elenco: Marleyda Soto, Enrique Díaz, María Paula Tabares Peña
Gênero: Drama
Distribuição: Vitrine Filmes
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