Uma das seleções da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Infiltrado na Klan, de Spike Lee, discute o racismo cívico e institucional nos EUA dos anos 70. Baseado em uma história real, o filme mostra como e por que o disfarce de Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro do Colorado, em falso membro da Ku Klux Klan, tem correspondência com o atual cenário político norte-americano.
Primeiro, expliquemos como um homem negro conseguiu se passar por membro da famosa KKK – sigla, esta, que encontra-se inserida comicamente no título original do longa-metragem (BlackKklansman).
O Clubinho da KKK
Em 1978, Stallworth lê uma notícia de jornal que convoca pessoas racistas e antissemitas para ingressar no “clubinho” da KKK. Ao telefonar para o número indicado no texto, Ron se faz passar por um homem branco e interessado na ideologia de raças. Pronto. É assim que o esterco é jogado no ventilador – para melhor expressar a impulsividade de Stallworth naquele momento –, e é assim que temos a nossa história. Mas, ainda pior do que sua “estratégia” muito pouco eficaz, o protagonista fornece o seu nome verdadeiro ao homem do outro lado da linha.
Agora, para dar continuidade à atrapalhada investigação, Flip Zimmerman (Adam Driver), um policial branco e judeu, é enviado aos encontros presenciais da seita. Por telefone, no entanto, o personagem racista de Stallworth é sustentado (e interpretado) pelo original. Muito confuso? Por mais cômico que tudo isso seja, não se trata somente de ficção.
Governo Trump e a semelhança irônica com o Brasil
Além da “brincadeira” com o título do filme, o notório Spike Lee – que costuma faltar em premiações “so white“ (“tão brancas”, em tradução livre) do cinema estadunidense –, apela para o humor nos diálogos de seus personagens; o que é muito pertinente, considerando-se o nível de absurdidade dos eventos reais.
Bem-sucedido em todos os seus aspectos, Infiltrado na Klan é uma verdadeira obra de arte. Muito simbólica em determinadas ocasiões – como quando os membros da KKK assistem a uma cópia de O Nascimento de uma Nação (1915), filme mudo que enaltece a seita e subjuga a comunidade negra –, a produção de Lee torna-se literal somente em suas últimas cenas.
Ao final, é exibida uma série de trechos documentais sobre manifestações racistas em 2017 (como as de Charlottesville e contra o movimento “Black Lives Matter“). Dentre elas, o presidente Donald Trump, dos EUA, aparece para dizer que nem todos os presentes seriam fascistas. Segundo ele, haveria “cidadãos de bem” entre os manifestantes.
Brasil, meu Brasil americano
Brasil, 2018. Há alguns dias do segundo turno das eleições presidenciais (no próximo dia 28), o ex-líder da Ku Klux Klan, David Duke (personagem interpretado por Topher Grace no filme de Lee), diz a seguinte frase sobre o candidato Jair Bolsonaro (PSL): “ele soa como nós”. Conhecido por proferir falas racistas, homofóbicas e misóginas, Bolsonaro é a aposta da extrema-direita para o cargo de presidente da República. Daí, explica-se a fala de Duke.
Por mais irônico que seja, o modo como Infiltrado na Klan, o governo de Trump e um possível governo de Bolsonaro se relacionam é, no mínimo, interessante. Em contrapartida ao seu marketing ufanista, o candidato do PSL chegou, até mesmo, a bater continência à bandeira norte-americana, quando deputado federal (cargo, este, que ocupou por 27 anos).
A brincadeira da democracia
Mesmo com uma democracia tão recente quanto a brasileira (de 1988 até o presente), com apenas trinta anos de idade, elegemos para o segundo turno, e com 46% dos votos válidos, um candidato que defende um dos maiores torturadores da ditadura militar (1964-1985), o coronel reformado Carlos Brilhante Ustra (morto em 2015).
Assim, somos levados de volta ao filme de Lee e às suas imagens de encerramento. A partir de que momento transformamos as aberrações ditas por figuras como Trump e Bolsonaro em algo potencialmente perigoso? Teria a expressão “dar palanque para maluco” muito a ver com isso? E as redes sociais? Seriam estas as suas mais poderosas armas?
Bom filme, bom voto
Tantas perguntas, mas tão poucas respostas. Enquanto democracias, ambos EUA e Brasil tiveram o poder de escolha sobre em quais candidatos votar, é claro. Mas, tanto Trump quanto Bolsonaro representam o que há de mais autoritário em nossas recentes histórias. E é exatamente isso que Spike Lee critica em seu(s) filme(s).
Até onde vai a nossa liberdade de expressão? Segundo o politicamente (e humanizado) correto, a liberdade termina quando se inicia um discurso de ódio. Para os manifestantes racistas de Charlottesville, tais como para os fiéis seguidores de Bolsonaro, a democracia é só mais um detalhe.
Mesmo que a Ku Klux Klan seja exposta de maneira crua em Infiltrado na Klan, de que adiantaria um final feliz, se o nosso próprio final, o do presente, é pior do que o de ontem? Enquanto você reflete sobre essas questões e espera pela estreia oficial do filme (no dia 22 de novembro deste ano), pode assisti-lo em mais duas ocasiões da 42ª Mostra Internacional de Cinema: no dia 26, às 18h40, na Cinesala; ou no dia 29, às 14h, no Espaço Itaú de Cinema da Augusta. Bom filme e bom voto.
Ficha técnica
Direção: Spike Lee
Duração: 2h16
País: EUA
Ano: 2018
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Topher Grace
Gênero: Policial, Drama, Biografia
Distribuição: Universal Pictures
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